Legitimamente eleito presidente da República com pouco menos de 2% de vantagem sobre a votação de Jair Bolsonaro, Lula herda um país extremamente dividido para sua terceira gestão, o que lhe traz um desafio urgente para viabilizar suas propostas e se imunizar contra eventuais crises políticas precoces e agudas: ampliar sua aceitação no cargo tanto em termos de opinião pública como em relação à formação da base de apoio no Congresso Nacional.
O perfil da equipe ministerial é fator crucial para viabilizar tais objetivos. Lula tem demorado mais do que se esperava para anunciar a totalidade dos novos titulares da Esplanada dos Ministérios porque isso implica várias questões e requer ampla negociação para que a redução dos apetites dos aliados tradicionais e do próprio PT por espaços cativos no governo seja assimilada sem grandes traumas.
Além disso, a engenharia política em torno desse processo e o perfil do novo governo requisitou a criação (ou retorno) de ministérios que foram extintos ou incorporados a outros no governo Bolsonaro. Não apenas para acomodar o amplo espectro de apoio, mas também para dar a determinados temas de políticas públicas como Trabalho, Mulheres, Igualdade Racial e Povos Originários entre outros, o adequado tratamento de primeiro escalão que merecem.
Ao anunciar parte expressiva de sua equipe de ministros, Lula revela alguns acertos e entraves que dificultam a formação de um governo mais representativo dos diferentes interesses e grupos sociais. Nos acertos estão uma maior presença de mulheres, de negros e negras em ministérios.
Nos entraves estão o fato de ainda haver controvérsias a serem resolvidas com duas mulheres que foram fundamentais para a sua vitória: Simone Tebet e Marina Silva. Em relação a Simone, ao que tudo indica, ficará fora do governo, pois o PT não abriu mão do Ministério do Desenvolvimento Social, pasta reivindicada por ela. Vale destacar que Simone Tebet esteve mais envolvida na campanha de Lula do que seu partido: o MDB. A presença dela depende muito mais de um gesto de Lula, que implicaria em contrariar o PT. Essa briga ele não quis comprar e anunciou o ex-governador Wellington Dias para o MDS, que vai cuidar do novo Bolsa Família.
Sobre Marina, nome indispensável para a presença destacada do Brasil no debate ambiental internacional, falta resolver questões acerca da Secretaria do Clima e se esta responderá ao Ministério do Meio Ambiente ou à Presidência da República, o que implicaria também na presença ou ausência da ex-ministra Izabela Teixeira no governo.
Já o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin na Industria e Comércio - que Lula chegou a garantir publicamente como nome fora da Esplanada - traduz bem as dificuldades de trazer alguém do setor para a pasta, apesar de o vice ter uma ponte bem construída com esses segmentos.
Por enquanto, a cara do governo Lula está mais próxima da representação social do Brasil com a presença de ministros e ministras de diferentes regiões do País, assim como de negras e negros, mas ainda se mantém longe ser reflexo de uma boa articulação política no Congresso. Faltam, por exemplo, a presença de nomes de partidos fora do grupo tradicional de aliados como o MDB, o União Brasil e o PP, além do PSOL. Possivelmente, a próxima rodada de nomes vai se encarregar de revelar o espaço do Centrão e se o litígio político entre Renan Calheiros e Artur Lira por espaço no governo será equacionado.
*Marco Antonio C. Teixeira é cientista politico, professor e coordenador do mestrado em gestão e politicas públicas da FGV-EAESP