Análise: Reforma com distritão é 'Frankenstein político'

A comissão da reforma política da Câmara aprovou um monstrengo; e o problema é ser o pior sistema eleitoral imaginável, pelos danos que causa à democracia

11 ago 2021 - 05h19
(atualizado às 07h27)

A comissão da reforma política da Câmara aprovou um monstrengo. Seu aspecto mais grotesco é o distritão, um sistema eleitoral feito para devastar partidos, substituindo-os por um amontoado de celebridades, endinheirados e caciques de si mesmos. Critica-se o sistema por não existir em nenhum outro país, mas isso não é, necessariamente, defeito. Fosse inusitado, porém oferecendo melhores soluções para certa situação política e social, seria prova de nossa inventividade. O problema do distritão é ser o pior sistema eleitoral imaginável, pelos danos que causa à democracia.

Câmara dos Deputados
01/02/2021 REUTERS/Adriano Machado/Foto de arquivo
Câmara dos Deputados 01/02/2021 REUTERS/Adriano Machado/Foto de arquivo
Foto: Reuters

Talvez seja só o "bode na sala" para aprovar outra excrescência: a volta das coligações em eleições proporcionais. Isso é sugerido pelo fato de que - cúmulo do casuísmo - o "distritão" só valeria para 2022, sendo o atual sistema retomado em 2026 numa versão piorada - retrocedendo à permissão para partidos coligarem em eleições proporcionais (vereador e deputado), burlando o quociente eleitoral e dando sobrevida a partidos sem densidade que lhes permita caminhar com as próprias pernas.

Publicidade

O Brasil tem o sistema partidário mais fragmentado da história das democracias no Legislativo nacional. Isso aumenta os custos da construção de coalizões, além de oferecer ao eleitorado um cardápio infindável de siglas, ininteligível e confuso. As reformas aprovadas em 2017, que agora passariam a valer em eleições federais e estaduais, visavam corrigir isso. Pois Arthur Lira e aliados (alguns de ocasião, como PCdoB e PSB) trabalham para produzir tal retrocesso, sem permitir que as reformas produzam seus efeitos para serem avaliadas.

A Câmara, aprovando esse Frankenstein no plenário, deixará para o Senado impedir essa dilapidação democrática. Diferentemente do que bravateou a relatora, Renata Abreu (Pode-SP), o assunto não é só de interesse dos deputados. O assunto interessa a todos os brasileiros e a todos os partidos. Portanto, os senadores têm não só o direito, mas o dever de impedir que esse monstrengo ganhe vida.

*CIENTISTA POLÍTICO NA FGV EAESP, PRODUTOR DO CANAL DO YOUTUBE E PODCAST 'FORA DA POLÍTICA NÃO HÁ SALVAÇÃO'

Curtiu? Fique por dentro das principais notícias através do nosso ZAP
Inscreva-se