"Chegou bem no dia em que o pau tá quebrando, né? Chegou no dia 'D'", disse o dramaturgo Roberto Alvim ao receber o jornal O Estado de S. Paulo, ontem, para uma entrevista, quatro horas antes de sua demissão.
Sobre sua mesa, além de uma cruz da Região das Missões (RS) e de um frasco de água benta, o então secretário exibia um boneco armado do 'Doutrinador', personagem que assassina políticos acusados de corrupção em uma história em quadrinhos que virou filme.
"Ele matou o Lula num quadrinho", informou Alvim, emendando com uma longa risada, numa referência ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O boneco custa cerca de R$ 90 em lojas virtuais. Uma delas o descreve como "um anti-herói genuinamente brasileiro", que escolheu "combater a roubalheira da elite política de uma forma radical: aniquilando os maus políticos, caçando corruptos de todas as matizes ideológicas".
Até então sorridente e mantendo um tom confiante, Alvim acreditava que não seria demitido porque Bolsonaro havia garantido sua permanência na equipe. "Conversei com o presidente hoje (ontem) de manhã. Ele se convenceu plenamente do que falei. Ele sabe, me conhece. Sabe que minhas intenções são absolutamente nobres nesse campo", disse Alvim.
Após repercussão da entrevista ao Estadão, Alvim cancelou as agendas que restavam no dia. Foi ao Palácio do Planalto e colocou o cargo à disposição. Horas depois, uma nota da Presidência confirmaria a demissão. "A filiação de Joseph Goebbels com a arte clássica e com o nacionalismo em arte é semelhante à minha e não se pode depreender daí uma concordância minha com toda a parte espúria do ideal nazista", afirmou. "Gravou essa p*?", emendou ele, ao cobrar, com um palavrão, que a frase fosse incluída na reportagem.
Alvim disse não saber quem havia incluído a adaptação da frase nazista no seu discurso, mas avisou que não faria uma "caça às bruxas" para encontrar um culpado. Afirmou, ainda, que um trecho pode ter sido inspirado na declaração nazista sem que ele soubesse.
Ao jornal, Alvim destacou que o Prêmio Nacional das Artes, iniciativa que distribuiria cerca de R$ 20 milhões, seria o começo da "refundação" da cultura brasileira, baseada em conceitos conservadores de artes, mas sob a promessa de não promover bandeiras da direita política. Àquela altura ainda fazendo planos, o então secretário afirmou torcer para que a população, num futuro breve, consumisse obras clássicas em massa. O cenário idealizado não impediria a reprodução do funk ou hip hop, apesar de ele "abominar" os ritmos. "Agora, nada impede que se crie uma música com a batida do funk e que seja uma música interessante em alguns sentido estético, embora eu ache muito complicado."
Indicação
O dramaturgo foi nomeado como secretário de Cultura em novembro, semanas após ofender a atriz Fernanda Montenegro nas redes sociais. Mas ele já estava no governo desde junho como diretor da Fundação Nacional das Artes (Funarte). Foi o terceiro nome a ocupar o cargo em cinco meses. O primeiro, Henrique Pires, deixou a secretaria em agosto, acusando o governo de censurar obras LGBT. O economista Ricardo Braga, por sua vez, ficou apenas dois meses e foi transferido para uma secretaria no Ministério da Educação.
Na curta passagem pelo cargo, Alvim ganhou a briga com os ministros da Cidadania, Osmar Terra (MDB), e do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL), ao receber aval de Bolsonaro para nomear quem quisesse. À época, o presidente chegou a mudar a estrutura da Esplanada para retirar a secretaria de Alvim do guarda-chuva de Terra e evitar atritos entre os dois. No dia anterior, ele havia sido elogiado pelo presidente. A repercussão negativa sobre a frase adaptada do nazismo fez Alvim virar alvo até mesmo do escritor Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo.
Trabalho
Como dramaturgo, ele dirigiu por três décadas peças de sucesso de crítica, mas disse ter mudado radicalmente de perfil político após se curar de uma grave doença, por meio de orações. "É uma mudança espiritual, de posicionamento existencial radical". Alvim surpreendeu a classe artística ao declarar voto em Bolsonaro em 2018, após o atentado a faca sofrido pelo então candidato do PSL ao Palácio do Planalto. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.