Nos últimos três anos, a Assembleia Legislativa do Amapá foi alvo de 48 ações penais e de improbidade administrativa, geradas a partir de investigações do Ministério Público do Estado, que apontam desvios de mais de R$ 45,4 milhões. Mas as apurações não impediram o surgimento de novos desvios. Desta vez, está sendo investigado o pagamento de R$ 17,4 milhões em diárias para servidores e deputados, realizadas no ano passado.
O montante pago pelas viagens equivale a quase 63% do orçamento da Casa. Uma das explicações para o volume de dinheiro é o valor da diária muito acima do que é pago no funcionalismo, “enquanto um ministro ganha entre R$ 500 ou R$ 600, um deputado ganhava R$ 2,6 mil. Depois das denúncias baixou para R$ 1,7 mil, valor ainda absurdamente maior ao que se pratica”, explica o promotor de Justiça Afonso Guimarães, que participa das investigações. Além disso, os deputados recebem diárias por viagens intermunicipais, sendo que distâncias de pouco menos de 18 quilômetros, até a cidade de Santana, são incluidas no pagamento.
As investigações são fruto de uma operação deflagrada com a Polícia Civil em 2012, e desde então, o material colhido tem gerado ações quase semanais do Ministério Público. Entre as investigações em andamento está o uso de notas fiscais falsas para ressarcimento de verba indenizatória, além do pagamento de diárias para funcionários fantasmas, que repassavam o dinheiro para um deputado.
“Estamos fechando o processo de investigação sobre a questão das diárias. Vários funcionários do gabinete de um determinado deputado ganhavam as diárias, e depois endossavam os cheques que eram depositados na copa de uma pessoa de confiança do deputado, mas muitos desses cheques são falsos, porque alguns desses funcionários sabiam desse dinheiro, ou não falavam nada porque não trabalhavam, recebiam o dinheiro como ajuda do deputado”, explica o promotor de Justiça Afonso Guimarães, relatando desvios de R$ 500 mil, neste caso.
Entre as ações que tramitam na Justiça, a maioria é fruto de irregularidades cometidas na gestão dos deputados Moisés Duarte (PSC) e Edinho Duarte (PP), como presidente e primeiro-secretário, respectivamente, da assembleia. Eles assumiram os cargos administrativos em 2011, e foram reeleitos pelos deputados para mais dois anos nas funções.
O Ministério Público chegou a conseguir o afastamento temporários dos dois parlamentares da funções que exerciam na casa, mas recursos judiciais levaram a questão ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde o ministro Ricardo Lewandowski, decidiu que a palavra final seria dos deputados estaduais, que reconduziram os dois ao cargo.
“Se a gente considerar que em 2013 foram gastos R$ 17 milhões com diárias, a gente vê que nada mudou, mudam os atores, mas o quadro é o mesmo, espero que as urnas comecem a dar um retorno”, afirma Guimarães.
Esquemas diversos
Com a certeza da impunidade, parlamentares e servidores agiam livremente na elaboração de esquemas de desvio. A assembleia pagava centenas de milhares de reais por serviços que não eram executados, por combustíveis que não eram entregues, sendo que muitos dos cheques emitidos pela casa eram depositados na conta de funcionários de gabinete ou em nome de laranjas. Entre as ações, estão mais de R$ 5 milhões gastos com aluguel de veículos, R$ 7,6 milhões para a digitalização de documentos, R$ 8,9 milhões gastos com publicidade, só para citar alguns casos.
Mas os desvios não se restringem a atual legislatura da Assembleia Legislativa amapaense. Nos últimos dias em que ocupavam os cargos de presidente e primeira secretária do Legislativo, os deputados Jorge Emaniel Amanajás (PSDB) e Eider Pena Pestana (PSD), teriam contratado a empresa MFX Ltda, por R$ 820 mil, sem que qualquer serviço tivesse sido prestado. Os cheques emitidos pela casa legislativa foram depositados diretamente na conta pessoal da assessora do deputado Moisés Souza, que na época estava prestes a assumir a presidência da casa.
Ameaças e morosidade
Entretanto, as ações judiciais já começam a render frutos. Recentemente o Tribunal de Justiça do Amapá decretou o bloqueio das contas de 21 deputados estaduais, além de servidores da assembleia, por crimes de improbidade com a contratação da Fundação Marco Zero, responsável por cursos de capacitação de servidores, mas que na verdade servia como manobra para o pagamento de funcionários fantasmas. Mas a morosidade judicial, e o numero de envolvidos em cada denúncia tem feito com que os casos se arrastem pelo judiciário.
Mas as investigações continuam, “ainda temos muito material vasto para ser analisado”, diz Guimarães, que confessa ter recebido ameaças desse que começaram as investigações. “Infelizmente o recurso da ameaça ainda é utilizado como se estivéssemos no tempo dos coronéis... ando em carro blindado, com motorista treinado para esse tipo de situação (de perigo), mas encaro como uma dificuldade natural do meu trabalho, mas isso não atrapalha em nada o meu trabalho... multiplico por dois a minha vontade de investigar”, afirma.