Após derrotas no STF, Bolsonaro tenta dividir ônus da crise

Presidente levou empresários para a sede do Supremo e buscou dividir com o tribunal o ônus da crise política

7 mai 2020 - 15h02
(atualizado às 15h11)

Depois de sofrer uma série de derrotas na arena judicial, o presidente Jair Bolsonaro levou nesta quinta-feira (7) - de última hora - uma comitiva de empresários para a sede do Supremo Tribunal Federal (STF) com o objetivo de constranger o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, ao alertá-lo sobre os riscos de o Brasil "virar uma Venezuela" com os efeitos da pandemia do novo coronavírus sobre a economia. Enquanto enfrenta desgastes perante a opinião pública, Bolsonaro buscou terceirizar responsabilidades e dividir com o tribunal o ônus da crise política, econômica e sanitária que abala o seu governo, avaliam integrantes do STF ouvidos reservadamente pelo Estadão.

O presidente da República, Jair Bolsonaro, em frente ao Palácio da Alvorada, em Brasília, na manhã desta quinta-feira, 07
O presidente da República, Jair Bolsonaro, em frente ao Palácio da Alvorada, em Brasília, na manhã desta quinta-feira, 07
Foto: Gabriela Biló / Estadão Conteúdo

Entre os empresários que acompanharam Bolsonaro estavam representantes dos setores têxtil, farmacêutico, de produção de cimento, automóveis, energia, cimento, máquinas e calçados, entre outros (veja lista abaixo).

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As movimentações do presidente da República foram vistas no tribunal como "um jogo de cena" midiático para jogar na Corte "uma culpa que não é dela". Segundo o Estadão apurou, causou incômodo especialmente a transmissão ao vivo da reunião pelo perfil de Bolsonaro no Facebook - sem conhecimento prévio do Supremo. Interlocutores de Toffoli, no entanto, observam que, se Bolsonaro não tem respeito pela liturgia, o presidente do STF não tinha como não atender ao pedido de audiência do chefe do poder Executivo, em "nome da institucionalidade".

Para um ministro do STF, mesmo que Bolsonaro tente dividir responsabilidades de uma eventual recessão com o Poder Judiciário, o papel da Justiça não é fazer controle prévio da validade de nenhuma medida do governo. "Se o presidente abrir segmentos, e isso for questionado, o Judiciário vai ouvir a ciência, as autoridades sanitárias, sem prejuízo de uma postura consequencialista", afirmou esse ministro.

Durante a reunião, o governo traçou um cenário desolador. O ministro da Economia, Paulo Guedes, passou a mensagem de que a "economia pode desintegrar", está perdendo os "sinais vitais" e alertou para os riscos de desabastecimento. Bolsonaro, por sua vez, demonstrou preocupação com saques e manifestações populares com o avanço do desemprego. A estratégia do Palácio do Planalto é afrouxar o distanciamento social para reativar a economia, apesar de o País ainda não ter chegado ao topo da curva de infecções e óbitos provocados pelo novo coronavírus, segundo o Ministério da Saúde.

"Economia é vida. Um país em que a economia não anda, a expectativa e o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) vão lá pra baixo. Queremos que o Brasil ocupe um lugar de destaque no mundo", afirmou Bolsonaro, classificado no mês passado pelo "Washington Post" o pior líder mundial no enfrentamento da covid-19.

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Se o objetivo era pressionar o Supremo, Bolsonaro teve de ouvir de Toffoli "recados" sobre governança. O presidente do STF propôs um "comitê de crise" para acompanhar os desdobramentos da pandemia, em uma crítica sutil à falta de uma política centralizada do governo federal. Toffoli também defendeu uma saída de "maneira coordenada com Estados e municípios" e lembrou que a Constituição garante competências específicas para os entes da federação, algo que o próprio presidente parece esquecer.

A mensagem do ministro foi interpretada por auxiliares como um "puxão de orelha" em Bolsonaro, que está em um cabo de guerra com prefeitos e governadores para a reabertura do comércio. Toffoli ainda defendeu a Bolsonaro que as medidas de combate ao novo coronavírus sejam tomadas a partir de critérios científicos

Além da comitiva de empresários, acompanharam a reunião no Supremo os ministros Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, Walter Braga Netto, da Casa Civil, e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo. Os três foram foram convocados para depor no âmbito do inquérito que investiga as acusações de interferência política na PF feitas pelo ex-ministro Sérgio Moro contra Bolsonaro.

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Conforme informou o Estado, os ministros militares do governo se disseram ofendidos com a decisão do ministro Celso de Mello de que os depoimentos sejam tomados até por "condução coercitiva" ou "debaixo de vara".

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Outros nomes que entraram no radar do Supremo também participaram da audiência: o secretário especial de Comunicação, Fabio Wajngarten, e o chefe da assessoria especial da Presidência, Célio Faria. Os dois foram citados em despacho de Celso de Mello que determinou a entrega do vídeo de uma reunião ministerial citado em depoimento do Moro.

O encontro de Bolsonaro e empresários com Toffoli foi convocado às pressas enquanto o presidente do Supremo se dirigia para o tribunal. O STF se reúne nesta tarde para uma sessão plenária que discutirá o compartilhamento de dados de clientes pelas empresas de telecomunicações com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A medida do governo acabou suspensa pela ministra Rosa Weber.

Esse não foi o único revés que a Corte impôs ao Planalto desde o início da pandemia da covid-19. Ao longo das últimas semanas, o STF proibiu o Palácio do Planalto de veicular campanhas contra o distanciamento social, impediu Bolsonaro de empossar um nome próximo de sua família (Alexandre Ramagem) para a direção-geral da Polícia Federal e decidiu que Estados e municípios podem adotar medidas de isolamento para enfrentar o avanço da covid-19.Mais cedo, ao falar com apoiadores sobre o fim de medidas de restrição adotadas por governadores, Bolsonaro disse que não pode "passar por cima" do Supremo. Pelo visto, a estratégia agora é outra - constranger a Corte.

Empresários que acompanharam Bolsonaro:

- Marco Polo de Mello Lopes, Presidente-Executivo do Instituto Aço Brasil e Coordenador da Coalizão Indústria

- Antonio Sérgio Martins Mello, Vice-Presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA);

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- Ciro Marino, Presidente-Executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (ABIQUIM) (videoconferência)

- Elizabeth de Carvalhaes, Presidente Executiva da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (INTERFARMA);

- Fernando Valente Pimentel, Presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT);

- Haroldo Ferreira, Presidente-Executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (ABICALÇADOS);

- Humberto Barbato, Presidente Executivo da Associação Brasileira Indústria Elétrica Eletrônica (ABINEE) (videoconferência)

- José Carlos Rodrigues Martins, Presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC);

- José Ricardo Roriz Coelho, Presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (ABIPLAST);

- José Jorge do Nascimento Júnior, Presidente-Executivo da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos (videoconferência)

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- José Velloso Dias Cardoso, Presidente-Executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (ABIMAQ) (videoconferência)

- José Augusto de Castro, Presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) (videoconferência)

- Paulo Camillo Penna, Presidente do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento Portland (ABCP);

- Reginaldo Arcuri, Presidente-Executivo do Grupo FarmaBrasil (FARMABRASIL) (videoconferência) ;

- Synésio Batista da Costa, Presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (ABRINQ).

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