A aprovação de uma medida do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que permite, a partir desta quinta-feira, o casamento civil entre homossexuais no País é uma importante conquista na luta pela igualdade de direitos, mas mostra que o Congresso Nacional é "omisso" sobre o assunto. A opinião é do deputado federal Jean Wyllys (Psol-RJ), que comemorou a decisão - mas avalia que ela causa constrangimento ao Poder Legislativo. "Isso constrange o Congresso Nacional, mostra que há um descompasso entre a sociedade e aqueles que se alvoram lá para representar a sociedade. Eles dizem que são os representantes do povo, mas a verdade é que o povo está se transformando, e eles estão aqui defendendo uma sociedade que não existe", afirmou o deputado.
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O CNJ aprovou, por 14 votos a um, uma resolução que obriga todos os cartórios do Brasil a celebrarem o casamento civil a pessoas do mesmo sexo da mesma forma como é celebrado a casais heterossexuais. A decisão foi publicada no Diário de Justiça Eletrônico na quarta-feira, mas é válida a partir desta quinta-feira. Ela não legaliza o casamento gay no País, já que, para isso, o assunto deveria passar por votação como lei no Parlamento. Para Jean Wyllys, "o Congresso Nacional não legisla". "E não vai fazer isso (votar uma emenda constitucional que legalize o casamento homossexual) porque, embora os fundamentalistas religiosos não sejam maioria, os conservadores são quase maioria", disse ele.
"As famílias estão sendo transformadas, estão muito diferentes umas das outras. A sociedade tolera, aceita e entende a necessidade de se dar o direito ao casamento civil aos homossexuais. E estão aqui esses deputados defendendo outro pensamento que não corresponde a essa transformação", afirmou o parlamentar. "Ao contrário de outros deputados que foram dizer que o Judiciário está legislando, eu louvo. Eu digo: que bom que o Judiciário está legislando nessas matérias, porque se não fosse o Judiciário, a população LGBT, os casais homoafetivos não teriam esses direitos materiais, que são direitos básicos, direitos civis. Não tem nada a ver com dogma, com sacramento", disse ele.
"Sou contra o casamento gay, mas não sou homofóbico"
O deputado Jean Wyllys fez críticas a um discurso que é comum entre pessoas contrárias ao casamento entre homossexuais que também negam praticar homofobia. "A maior parte das pessoas não entende - ou por burrice, ou por má-fé - que existe uma coisa chamada homofobia social e uma coisa chamada homofobia letal. E a homofobia social está ligada à homofobia letal", afirmou ele. "A homofobia social se expressa, por exemplo, quando alguém diz que é contra o casamento civil igualitário, contra o casamento gay. (...) Se a pessoa é contra o casamento gay, ora, que não case com um gay! Mas o casamento gay não tira o direito dela em hipótese alguma", disse.
Para Jean Wyllys, se opor ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e negar ser homofóbico é semelhante a negar outros tipos de preconceito. "É racista, mas não é racista. 'Eu não quero negros namorando com minha filha branca, mas eu não sou racista. Tenho até um amigo que é racista, mas meu motorista é até preto.' É essa a questão. 'Eu não sou machista, mas minha mulher não sai com as amigas. Mas eu não sou machista. Eu não bato em mulher, eu não sou machista.' É burrice."
O deputado também criticou o uso de argumentos religiosos para contrariar o direito ao casamento civil aos gays. "Desde que o Estado foi separado da Igreja, a Igreja não pode usar os seus dogmas para influir nas políticas de Estado. (...) Se casamento fosse pra sempre, nós não teríamos conquistado o divórcio, não haveria as famílias 'mosaico', que são aquelas famílias amplas em que os casais se separam, casam de novo, têm novos filhos, e os seus filhos novos são irmãos dos filhos antigos e formam uma grande família. Não teria família de casais sem filhos, que não querem ter filhos."
Casamento gay tem "efeito poderoso" em luta por direitos
O principal avanço na luta por igualdade de direitos a homossexuais, na opinião de Jean Wyllys, é a conquista do casamento civil. Para ele, a legalização do matrimônio a pessoas do mesmo sexo "materializa essa igualdade proclamada na Constituição. Ele tem um efeito simbólico de reconhecimento jurídico dos direitos homossexuais, da dignidade homossexual. (...) A gente diz, com todas as letras, que sim, os cidadãos são, de fato, iguais. Porque atualmente não são", afirmou.
Ainda há dezenas de direitos que são negados aos homossexuais, segundo o deputado - mas quase todos estão ligados à permissão do casamento. "Vêm todos os direitos ligados à família, muda-se o estatuto da família e a gente vai poder adotar filhos", disse Jean Wyllis. "Tem um efeito de médio e longo prazo sobre a homofobia social. As novas gerações vão crescer sabendo que não há distinção entre as pessoas por causa da orientação sexual delas, que elas são igualmente tratadas pelo Estado", afirmou.
Segundo o deputado, "esse é o efeito poderoso do casamento". "Ele tem um efeito muito mais impactante do que a criminalização da homofobia. A criminalização é tão somente o direito penal voltado para o crime duro. Mas o crime duro que acontece, a lesão corporal e o assassinato, ele só existe porque há um caldeirão anterior, há um sistema anterior. A homofobia é um sistema, e esse sistema só pode ser desconstruído com a conquista do direito ao casamento."