O presidente Jair Bolsonaro abriu o cofre do governo e disponibilizou cargos estratégicos para eleger Arthur Lira (PP-AL) presidente da Câmara. Agora, o Palácio do Planalto precisará cumprir as promessas e saciar o apetite fisiológico dos partidos do Centrão para manter a aliança. Ao mesmo tempo, ele tem uma carta na manga na eventualidade de o aliado endurecer e ameaçar rompimento, observam interlocutores. A sintonia com o procurador-geral, Augusto Aras, pode lhe servir de escudo ao menos quanto a pressões fortes por parte do Legislativo. Num improvável sistema de freios e contrapesos, Lira vive também sob ameaça do Ministério Público Federal.
Bolsonaro não desconhece a ficha corrida do aliado. Lira é condenado em duas ações civis de improbidade administrativa, no âmbito da Operação Taturana, que investigou um esquema de "rachadinha" na Assembleia Legislativa de Alagoas quando ele era deputado estadual. Ainda responde a duas ações penais no Supremo Tribunal Federal, da Lava Jato — por corrupção e por associação criminosa.
No entanto, a situação poderia estar pior. Em junho, uma nova denúncia criminal da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Lira foi apresentada. Na época, interlocutores de Aras mencionaram a acusação como um exemplo de que o procurador não privilegiaria aliados do governo Bolsonaro. Três meses, depois, porém, a denúncia foi retirada, em uma movimentação atípica da Procuradoria. A mesma representante da PGR que assinou a acusação — a subprocuradora-geral Lindora Araújo, braço-direito de Aras na seara criminal — apresentou o pedido de arquivamento. Ela alegou fragilidade probatória.
Em setembro, quando a subprocuradora alegou fragilidade probatória para aliviar a situação de Lira, o deputado já tinha o aval de Bolsonaro para suceder Rodrigo Maia (DEM-RJ) no comando da Câmara. O recuo da PGR, então, o ajudou. Assim como a decisão do juiz estadual de Alagoas Carlos Henrique Pita Duarte, em dezembro, de absolvê-lo na ação penal em que é réu por desvios milionários da Assembleia de Alagoas.
Agora, porém, o cenário é outro. E, se a PGR há pouco retirou a denúncia contra Lira, ainda pode retomar algumas frentes de investigação contra o parlamentar. A gestão Aras mostrou sua força no caso do governador afastado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC). Em tempo recorde, a Procuradoria investigou e pediu afastamento e prisão do adversário político do presidente. Witzel foi afastado.
O mandato de Augusto Aras termina em setembro deste ano. Ele é cotado para mais dois anos no cargo. Antes disso, há uma vaga no Supremo Tribunal Federal a ser aberta, em julho, pela aposentadoria compulsória do ministro Marco Aurélio Mello, que completa 75 anos. Aliados de Bolsonaro dizem o procurador-geral, embora seja uma opção para o Supremo, é mais útil ao governo no cargo atual. No caso de reeleição de Bolsonaro, o presidente poderia escolher Aras em 2023, quando mais dois ministros do Supremo se aposentam — Ricardo Lewandowski e Rosa Weber.
Mantendo a aliança ou não com Lira e o Centrão até o fim do mandato, Bolsonaro, no entanto, sabe que a carta na manga Aras não diminuirá atritos diários com o bloco aliado, fiador da governabilidade. A história mostra que descumprir os acordos com o Centrão é garantia de instabilidade.