O Senado concedeu "um indulto privilegiado" ao senador Aécio Neves (PSDB-MG) ao mantê-lo no cargo, afirmou nesta quarta-feira a ex-senadora e ex-ministra Marina Silva (Rede), durante palestra em Londres.
Denunciado pela Procuradoria-Geral da República sob as acusações de corrupção passiva e obstrução de justiça, o tucano teve o mandato devolvido por seus pares - foram 44 votos a favor e 26 contra numa sessão do Senado realizada na noite de terça-feira.
"A decisão do Supremo de dar ao Senado a prerrogativa de ter a última palavra do caso dos que estão sendo julgados pela Justiça criou uma anomalia. É o primeiro segmento da sociedade que comete crime e faz o seu próprio julgamento", afirmou a líder da Rede depois de uma palestra no Brazil Institute, da Universidade King's College London.
"O que aconteceu é que os que estão na mesma situação que ele vão ser beneficiados pela mesma jurisprudência. Isso é um ataque à Lava Jato e um desrespeito, uma falta de consideração com os brasileiros", disse ela.
"Foi dado ao Aécio o indulto privilegiado", completou a ex-senadora.
Apoio a Aécio em 2014
Aécio é alvo de denúncia, ainda não apreciada pelo Supremo, da Procuradoria-Geral da República, baseada nas delações de executivos da J&F, holding que reúne empresas como o frigoríco JBS.
Em depoimento de sua delação premiada homologada pelo STF, Joesley Batista, um dos donos da JBS, disse que pagou R$ 2 milhões em propina ao senador tucano no começo deste ano - áudios entregues aos procuradores mostram o senador pedindo o dinheiro.
Os valores teriam sido entregues a um primo de Aécio. Andrea Neves, irmã do senador, também é suspeita de ter participado da negociação do que a denúncia afirma ser propina - ela chegou a ser presa.
O senador e sua irmã negam a prática de crimes - ele afirma ter pedido apenas um empréstimo ao empresário. Após a decisão do Senado, sua assessoria enviou nota à imprensa dizendo que a medida assegura ao mineiro "a oportunidade de apresentar sua defesa e comprovar cabalmente na Justiça sua inocência em relação às falsas acusações das quais foi alvo".
Diante desse cenário, Marina também foi questionada em Londres sobre o apoio declarado ao tucano no segundo turno das eleições presidenciais de 2014, após terminar em terceiro lugar com 22 milhões de votos.
Segundo ela, o apoio a Aécio foi dado "em nome da alternância de poder".
"No segundo turno, naquele momento, ainda não tínhamos todas as informações que temos hoje em relação aos dois candidatos", disse, referindo-se ao fato de que a Lava Jato ainda não havia levantado suspeitas diretas em relação a Aécio nem em relação à ex-presidente Dilma Rousseff.
"Mantive a neutralidade em 2010 e, naquele momento (em 2014), não tinha todas as informações em relação aos dois candidatos. Democrata que sou, sou a favor da alternância do poder. (Apoiar o Aécio) Foi um posicionamento individual, não foi de partido", afirmou.
"Fiz depois que Aécio assinou documento assumindo compromisso, mantendo programas sociais como o Bolsa Família, Pronatec, Minha Casa Minha Vida, e mantendo remarcação de terra. Não fiz campanha, só falei que votaria nele."
'Apoiar não é fidelidade cega'
Marina afirmou, contudo, que o apoio ao tucano em 2014 não se perpetuou.
"Aprendi que apoiar uma pessoa não é fidelidade cega", disse, emendando que seu partido, a Rede, tomou depois medidas contra Aécio.
"Foi meu partido, por sugestão minha, que entrou com pedido no Conselho de Ética para Aécio ser cassado e foi meu partido que entrou com ação para que o voto fosse transparente (na sessão de cassação). Sei que pessoas boas existem em todos os partidos. O problema é que estão num banco de reservas", afirmou.
Em entrevista exclusiva à BBC Brasil na véspera de sua fala na universidade britânica, Marina afirmou que o Congresso tem dificuldade em cassar seus integrantes por "corporativismo" e que várias legendas de diferentes espectros políticos se uniram para "salvar a própria pele".
"Aqueles que nunca se juntaram para defender saúde, educação, segurança pública, infraestrutura, agora estão unidos para evitar a punição dos crimes que cometeram", disse, citando PT, PMDB, PSDB e DEM.
A ex-senadora disse que sua decisão sobre disputar pela terceira vez as eleições presidenciais será tomada "logo".
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