A batalha do presidente Michel Temer para vencer sua segunda denúncia criminal está perto do fim. A previsão é que na próxima semana a Câmara dos Deputados finalmente votará se autoriza ou não o Supremo Tribunal Federal (STF) a realizar o julgamento por acusações de formação de quadrilha e obstrução de Justiça.
Nesta quarta, após dois longos dias de debates, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou relatório do deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG) contra o andamento da denúncia. Foram 39 votos contra a possibilidade de Temer ser julgado, 26 a favor de autorizar a abertura do processo e uma abstenção.
O placar final, sem surpresas, ficou próximo do resultado contra o andamento da primeira denúncia, que acusava Temer de corrupção passiva. Em julho, 41 deputados da CCJ votaram a favor do presidente. Entre as duas votações, ele perdeu dois apoios no PSB, um voto no DEM e outro no PP, mas em compensação ganhou um no PR e outro no PRP.
Pesquisas de opinião mostram que o presidente tem apenas 3% de apoio da população, ainda assim políticos e analistas ouvidos pela BBC Brasil acreditam que Temer vai conseguir repetir também o resultado no plenário da casa, alcançando os votos necessários para impedir o risco de julgamento no STF.
São necessários 342 votos dos 513 deputados para que o Supremo fique autorizado a avaliar a abertura de um processo. Em agosto, a primeira denúncia foi barrada ao receber aval de 263 deputados e o veto de 227.
O deputado Julio Delgado, líder do PSB, acredita que o placar final dessa segunda denúncia pode ser um pouco mais desfavorável a Temer, com menos votos contra o andamento da denúncia, mas reconhece que a tarefa da oposição de reunir 342 apoios para autorizar o julgamento é difícil.
"Acredito que temos 15% de chance de aprovar (a denúncia). É baixa, mas não é zero", afirmou à BBC Brasil.
Parlamentares da base manifestam confiança na vitória do presidente. Os principais argumentos usados pelos aliados de Temer nos debates da CCJ foram desqualificar a denúncia, citando a controvérsia em torno da legalidade da delação da JBS, e defender que a manutenção do governo é importante para a retomada da economia.
"Não se troca presidente da República como se troca técnico de time de futebol", argumentou o vice-líder do governo, deputado Beto Mansur (PRB-SP).
'Vitimização'
Na nova denúncia, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot acusa o presidente de ter tentado parar a Lava Jato. Ele teria feito isso ao dar o aval para que o empresário Joesley Batista, do frigorífico JBS, "comprasse" o silêncio do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do suposto operador do PMDB, o empresário Lúcio Funaro.
Além disso, Janot acusa Temer de ser o chefe de um grupo criminoso, que seria formado por políticos do PMDB na Câmara dos Deputados. Para a Procuradoria-Geral da República (PGR), Temer era o braço político da suposta quadrilha. Teria sido responsável por viabilizar os interesses de empreiteiras e outras empresas dentro do Congresso em troca de subornos. Além da delação da JBS, o acordo de delação de Lúcio Funaro também forneceu elementos para a nova denúncia.
Em sua defesa, Temer se diz vítima de uma "conspiração" e cita os indícios de possíveis ilegalidades na condução da delação da JBS pela PGR.
Para o cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências, a natureza da segunda denúncia, com acusações mais amplas contra a classe política, é um dos fatores que explicam a tendência de nova vitória de Temer.
"Se o crime é de formação de organização criminosa, isso significa que tem outros membros dessa organização. Essa amplitude da acusação facilita o discurso de vitimização da classe política, assim como a controvérsia em relação à delação da JBS. Isso traz um respiro", ressaltou.
Outro fator favorável ao presidente, acredita Cortez, são os sinais de retomada da economia. Embora a recuperação do crescimento ainda seja tímida, o Fundo Monetário Internacional (FMI) melhorou as projeções para o Brasil. A previsão de crescimento do Produto Interno Bruto em 2017 passou de 0,3% para 0,7%, enquanto a de 2018 subiu de 1,3% para 1,5%.
Além disso, o ajuda a falta de "um plano B (um nome) minimamente construído" para sucedê-lo. Embora na última semana, a tensão entre Temer e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, tenha voltado a se elevar depois que a Casa divulgou vídeos da delação de Funaro, o cientista político da Tendências não acredita que isso indique um movimento consistente de articulação em torno de Maia.
Na hipótese, hoje improvável, de Temer ser afastado, a Constituição prevê que o presidente da Câmara assuma o comando do país interinamente, convocando eleições indiretas.
"Me parece que a rusga entre os dois é mais um movimento de Maia de se afastar de Temer, muito impopular, preocupado com as eleições de 2018", resume Cortez.
Já o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG), um dos tucanos que votará com Temer, disse à BBC Brasil que "são turbulências naturais de um momento tenso".
"Maia tem se comportado em profundo respeito à Constituição e ao regimento da Câmara. Não tem feito nenhuma conspiração objetivando conseguir o poder", afirmou.
Ele acredita que a divisão do PSDB na primeira denúncia deve se repetir na votação da próxima semana. "Do ponto de vista da responsabilidade do país, estamos a onze meses da eleição presidencial. Não tem cabimento afastar", argumentou.
'Custo alto'
O cientista político Carlos Melo, professor do Insper, também acredita na vitória de Temer. Ele ressalta, porém, que a ampla expectativa favorável a ele não significa que é um processo fácil. Pelo contrário: "O custo vai ser alto, mais alto que na primeira denúncia", destacou.
Com "custo alto", o professor se refere a todas as demandas de deputados da base para garantir os votos a favor de Temer, como liberação de emendas parlamentares (recursos para projetos e obras em suas bases eleitorais), cargos na administração federal e decisões burocráticas que atendam seus interesses.
Na segunda-feira, o governo atendeu, por exemplo, um pleito antigo do setor ruralista ao baixar uma portaria mudando as regras de combate ao trabalho escravo. Diversas instituições, como o Ministério Público do Trabalho e a Organização Internacional do Trabalho, disseram que as alterações vão dificultar as operações contra a escravidão e cobraram a revogação da portaria. A Secretária Nacional de Cidadania, Flávia Piovesan disse à BBC Brasil que as mudanças são um "retrocesso inaceitável".
Após barrar a denúncia, Melo e Cortez preveem um futuro difícil para Temer no Congresso. O mais provável, acreditam, é que o governo consiga aprovar apenas mudanças modestas no Regime de Previdência - algo bem aquém da ampla reforma anunciada antes das acusações levantadas pela delação da JBS.
"O presidente deve vencer a denúncia, mas não sairá mais forte", resume o professor do Insper.
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