Em meio a negociações sobre como custear o piso nacional da enfermagem e a uma ameaça de greve da categoria para este mês, posts de bolsonaristas nas redes distorcem fatos e responsabilidades sobre o tema para atacar o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em vídeos que ultrapassam 2,6 milhões de visualizações no TikTok e 100 mil compartilhamentos no Facebook, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tratam a suspensão da medida, determinada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) no ano passado, como uma decisão do governo petista.
O piso de R$ 4.750, sancionado por Bolsonaro em agosto de 2022, ainda não está sendo pago aos enfermeiros. Mas o fato não tem qualquer relação com a eleição de Lula, como sugerem as publicações. Em setembro do ano passado, o ministro do STF Luís Roberto Barroso determinou a suspensão da medida e deu prazo de 60 dias para que instituições de saúde avaliassem o impacto financeiro e uma eventual redução na qualidade dos serviços por conta dos pagamentos. A decisão foi referendada pelo plenário do tribunal.
TikTok. Vídeos desinformam ao sugerir que suspensão do piso da enfermagem está ligada à eleição de Lula (Reprodução)
Grande parte dos vídeos desinformativos mostra um post feito por uma profissional de saúde em sua conta do TikTok no ano passado, em que comemora a aprovação da lei do piso. Ela então questiona uma colega em quem votar para presidente nas eleições, que diz, ironicamente: "Em Lula, porque uma coisa não tem nada a ver com a outra".
Nos posts bolsonaristas, o vídeo da médica é sucedido por um print de uma reportagem do UOL que noticia a suspensão do pagamento do piso pelo STF (Supremo Tribunal Federal) ainda em 2022, em uma tentativa de relacionar a eleição de Lula ao fim da garantia de pagamento do piso. Em outras publicações, usuários postam memes de pessoas dançando ou aparecem rindo diante de notícias que anunciam uma paralisação nacional da categoria em 14 de fevereiro.
Apesar de ser tratada por bolsonaristas nas redes como uma conquista do antigo governo, a lei que instituiu o piso foi uma iniciativa da oposição, liderada pelo senador Fabiano Contarato (PT-ES). Aprovado pelo Congresso, o piso foi sancionado por Bolsonaro, mas teve sua correção anual pela inflação vetada pelo então presidente.
Em dezembro, o Congresso aprovou uma PEC que direciona recursos do superávit financeiro de fundos públicos para custear o piso no setor público da área de saúde e em entidades com atendimento mínimo de até 60% de pacientes do SUS (Sistema Único de Saúde). A proposta, no entanto, foi questionada no STF pela CNSaúde (Confederação Nacional de Saúde), principal entidade que representa empresas do setor, por não atender empresas de saúde privadas, que supostamente não teriam recursos para arcar com os pagamentos.
Negociações. No dia 30 de janeiro, o Fórum Nacional da Enfermagem convocou uma paralisação da categoria para o dia 14 de fevereiro para pressionar o governo a encontrar uma maneira de garantir o pagamento do piso. "Chega de enrolação. Chega de espera! A Enfermagem não aguenta mais e merece ser valorizada!", diz post publicado pelo grupo. Caso o impasse não seja resolvido, representantes da categoria defendem uma greve a partir de 10 de março.
A necessidade de garantir fontes de custeio para a implementação do mínimo salarial consta no relatório do grupo de trabalho de Saúde da equipe de transição do governo Lula. O documento aponta que pode haver prejuízos aos serviços de saúde caso a medida não entre em vigor, "inclusive com paralisações".
A imprensa noticiou que o governo tem convocado reuniões para elaborar uma medida provisória que estabeleça as fontes de recursos para o cumprimento da lei. O grupo de trabalho inclui, além de membros do Ministério da Saúde, parlamentares como Alice Portugal (PC do B-BA) e Mauro Benevides (PDT-CE) e representantes da categoria.
Contatado por Aos Fatos, o conselheiro do Cofen (Conselho Federal de Enfermagem) Daniel Souza afirmou que o Ministério da Saúde elaborou uma prévia da minuta da medida provisória, que foi encaminhada a outros órgãos, como a Casa Civil da Presidência da República. Em relação ao anúncio de paralisação, ele disse que é direito da categoria, mas que tem certeza de que o processo será resolvido pelo governo. "Não vislumbramos qualquer possibilidade de existir uma greve", declarou.
O Ministério da Saúde não confirmou a informação de que a minuta já teria sido elaborada. Em nota, a pasta afirmou que avalia o relatório do Grupo de Trabalho e, em conjunto com entidades e representantes ligados ao tema, "irá definir a melhor forma de dar prosseguimento à medida com celeridade".