Em meio à crise política provocada pela instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado para averiguar ações do governo Jair Bolsonaro no enfrentamento da covid-19, deputados bolsonaristas tentam aprovar na Assembleia Legislativa de São Paulo uma CPI para investigar gastos do governador João Doria (PSDB) durante a pandemia.
Apresentado em março, o pedido depende do apoio de parlamentares do PT e do Psol para ter chances de avançar. Ambas as legendas, no entanto, não veem o tema como prioritário. Por enquanto, o projeto de resolução que propõe a CPI tem apenas 15 das 36 assinaturas necessárias - ao todo, são 94 cadeiras na Alesp. Doria afirmou ao Estadão que o "governo de São Paulo não teme CPI".
O autor da proposta é o deputado Sargento Neri (Avante), integrante do grupo Parlamentares em Defesa do Orçamento (PDO), um bloco independente e informal criado com o objetivo de fiscalizar contratos relativos à pandemia em São Paulo. São dez deputados - todos representantes das chamadas bancada da bala e bancada da bíblia.
Eleito para seu primeiro mandato na onda bolsonarista, Neri cobra o apoio do PT para viabilizar a CPI. "O deputado (Teonilio) Barba se comprometeu em plenário que toda a bancada do PT iria assinar. Se ele cumprir a palavra que me deu ficará mais fácil assegurar a instalação desta CPI, que não pretende ser contra ou a favor do governo Doria. Minha intenção é poder fiscalizar as decisões e os gastos feitos por ele", afirmou.
Diferentemente da proposta da CPI da Covid autorizada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que tem como foco inicial a investigação do colapso na Saúde no Amazonas, o pedido de Neri não tem uma denúncia específica como base. "Há uma série de atitudes tomadas pelo governador que foram imprudentes. Os hospitais de campanha montados pelo Estado, por exemplo, foram utilizados no momento errado", disse o parlamentar do Avante.
Segundo o Estadão apurou, deputados petistas apontam a ausência de uma denúncia específica no pedido de Neri como impeditivo para o apoio. Além disso, eles alegam que já conseguiram emplacar duas outras CPIs com potencial para incomodar o governo do PSDB.
Uma delas é a CPI da Dersa, que os tucanos haviam conseguido barrar nos últimos dois anos. A outra comissão pretende investigar benefícios fiscais que o governo concedeu na última década que são questionados pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Dos dez parlamentares da bancada do PT, só dois assinaram o projeto de CPI sobre a pandemia até agora: Emídio de Souza e Luiz Fernando Teixeira. Carlos Giannazi (PSOL) também assinou o pedido, mas disse que seu objetivo, caso o colegiado seja instalado, será debater o motivo pelo qual o governo Doria não pagou auxílio emergencial no Estado até agora. "Assinar a CPI foi decisão minha, essa não é uma questão de bancada", afirmou o parlamentar, que trata a eventual investigação como uma demanda bolsonarista. "A única intenção deles é eleitoral. Fazem todo o possível para minar o governo Doria."
Respiradores
Integrante do grupo Parlamentares em Defesa do Orçamento e apoiador da CPI, o deputado Coronel Telhada (PP) declarou que a investigação é necessária para que se tenha conhecimento dos gastos do governo paulista na crise sanitária, especialmente os relacionados à compra de respiradores vindos da China. O contrato firmado sem licitação para aquisição de 3 mil unidades, no valor de US$ 100 milhões, é alvo de um inquérito do Ministério Público e foi cancelado após atraso na entrega dos produtos.
Telhada disse que os pedidos de CPIs na Alesp e no Senado não têm qualquer relação. "Nós entramos há tempos com o pedido e estamos discutindo o governo estadual", afirmou o deputado, que já foi do PSDB.
Carla Morando (PSDB) afirmou que a proposta de CPI é uma "manobra bolsonarista" para desviar o foco da CPI da Covid do Senado. A deputada destacou que o governo Doria tem adotado medidas assertivas para proteger a saúde da população. "E faz isso baseado na ciência. Atualmente, oito de cada dez pessoas imunizadas contra o coronavírus no Brasil são vacinadas com a Coronavac, vacina que foi desmoralizada pelo governo Bolsonaro diversas vezes", disse Carla, acrescentando que, em São Paulo, não há motivos para uma CPI.
Para Arthur do Val (Patriota), o pedido de CPI é mais "um serviço à base bolsonarista" do que uma tentativa de investigar, de fato, o governo. "Sou antibolsonarista, mas apoiaria uma CPI se ela estivesse em debate. Nem me pediram para assinar o pedido", afirmou.
Além de Neri, Giannazi, Emídio e Teixeira, assinam o pedido os deputados Major Mecca, Janaína Paschoal, Letícia Aguiar e Danillo Balas - todos do PSL -, Gil Diniz (sem partido), Douglas Garcia (PTB), Coronel Telhada (PP), Conte Lopes (PP), Edna Macedo (Republicanos), Márcio Nakashima (PDT) e Adriana Borgo (PROS).