"A mídia vai dizer que só tinham 4 mil aqui", comentou um senhor vestindo uma camisa com cores em alusão ao Exército. "4 mil não, vão falar que tinha 2 mil pessoas. Depois querem que a gente acredite no resultado das eleições", respondeu o outro. O diálogo entre os dois delineou o tom da tarde abafada deste domingo, 25, na Avenida Paulista, no centro de São Paulo: olhares desconfiados, que permaneceriam atentos a uma única direção, o trio elétrico onde o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), acuado, discursava para uma multidão.
A multidão de apoiadores --formada principalmente por homens e mulheres acima aos 40 anos-- chegou cedo ao ato e nem mesmo o forte calor (a sensação térmica passou dos 31ºC e levou alguns manifestantes a receberem atendimento no local e outros a retornarem para casa mais cedo) foi capaz de desanimar a grande maioria que vestia as cores verde e amarela para demonstrar apoio ao ex-presidente.
Ecoando palavras de ordem cuidadosamente selecionadas para evitar conteúdos de teor golpista, os eleitores de Bolsonaro foram gradualmente tomando a Paulista, em meio aos vendedores informais que comercializavam bandeiras de países como EUA e Argentina. Nem mesmo a recente crise diplomática entre Brasil e Israel passou despercebida pelos comerciantes, que aproveitaram a oportunidade para vender o estandarte israelense por até R$ 80.
Ao contrário de outros protestos durante o governo Bolsonaro, desta vez não houve cartazes pedindo intervenção militar ou a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), como ocorreu, por exemplo, no 7 de setembro de 2022.
Discurso e teoria da conspiração
Eram cerca de 15 horas quando Bolsonaro começou seu discurso, abordando os temas já conhecidos. No entanto, desta vez, chamou a atenção a prudência em suas palavras, algo atípico para o líder populista. Os manifestantes, igualmente, pareciam querer seguir o líder e, diferentemente de atos passados, não fizeram pedidos antidemocráticos.
Desta vez, Bolsonaro não citou o STF, reclamou de perseguição e pediu anistia aos presos pelos atos golpistas de 8 de janeiro. "Eu teria muito a falar, tem gente que sabe o que eu falaria, mas o que eu busco é a pacificação. Passar uma borracha no passado, buscar uma maneira de vivermos em paz, e não continuarmos sobressaltados", iniciou, e pediu em mensagem ao Parlamento: "Uma anistia aos pobres coitados presos em Brasília, não queremos mais que seus filhos sejam órfãos de pais vivos. Nós já anistiamos no passado quem fez barbaridades no Brasil, agora pedimos a todos deputados e senadores um projeto de anistia para que seja feita a Justiça do Brasil. Quem, por ventura, depredou patrocínio - e isso nós não concordamos-, que pague por isso, mas essas penas fogem ao mínimo da razoabilidade."
Mesmo com a disciplina do público, era possível ouvir, entre as conversas laterais, as mais variadas teorias da conspiração e fake news, algumas chegando até a esfera cômica. Uma senhora perguntou a outra, em tom sério: "É verdade que aquele moço, o ex-presidente dos EUA, vai participar do ato?", em referência ao ex-presidente Donald Trump.
O tom subiu durante o discurso do pastor Silas Malafia, que cumpriu o roteiro e foi o responsável por sugerir, sem provas, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sabia do atos golpistas de 8 de janeiro, e citar o ministro Alexandre de Moraes, do STF.
Durante o seu discurso, Malafaia chegou a citar a morte do baiano Cleriston Pereira da Cunha, de 46 anos, dentro do Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, em novembro do ano passado. Ele foi um dos presos pelo ataques de 8 de Janeiro. O pastor culpou Moraes pela morte do empresário. Os apoiadores de Bolsonaro responderam a declaração com gritos de "assassino" em referência a Moraes.a
Ao fim, a multidão, cansada, porém com os olhares renovados e felizes pela tarde de catarse coletiva que acabara de passar, retornou aos poucos para casa. Enquanto, os comerciantes permaneciam no local, guardando a pouca mercadoria que sobrou, também com semblantes satisfeitos, embora por motivos diferentes.