O retorno do ex-presidente Jair Bolsonaro ao Brasil, após temporada de três meses nos Estados Unidos, rendeu mais menções negativas do que positivas nas redes sociais. Além disso, o evento não conseguiu liderar os trending topics do Brasil em nenhum momento e teve engajamento mais tímido do que o 7 de setembro e a sua viagem de ida para a Flórida em 30 de dezembro, um dia antes do final de seu mandato. Os dados são do Monitor Genial/Quaest.
O desembarque de Bolsonaro em Brasília gerou 483 mil comentários nas redes. Desse volume, 44% foram de menções negativas a Bolsonaro, 40% foram positivas e 16% foram classificados pelo algoritmo como neutros. A análise do instituto de pesquisa se refere ao número de menções no Twitter, Instagram e Facebook entre as 22h de quarta-feira, 29 de março, até as 17h desta quinta-feira, 30. Ele embarcou na noite desta quarta-feira, 29, e chegou a Brasília pouco antes das 7h.
No dia 7 de setembro do ano passado, quando Bolsonaro convocou apoiadores para as ruas do Rio de Janeiro e de Brasília, a quantidade de postagens coletadas pela Quaest chegou a 680 mil, com 45% de apoio. A viagem de Bolsonaro para os Estados Unidos, em 30 de dezembro, ainda renderia 520 mil publicações na rede, com os mesmos 40% de menções positivas. Ambos os eventos foram mais relevantes que o retorno ao Brasil.
"Bolsonaro não é mais presidente e está convivendo pela primeira vez com a realidade, que é ser um político importante, uma liderança forte no Brasil, mas que não tem mais os mesmos mecanismos de mobilização e engajamento que se tem quando se está no poder", analisa o cientista político e diretor da Quaest, Felipe Nunes. Segundo ele, o núcleo digital bolsonarista teve dificuldades para pautar o debate público diante de outras agendas, como o novo arcabouço fiscal do governo, e sentiu falta de imagens de maior impacto no aeroporto.
O Estadão verificou que, ao longo do dia, o retorno de Bolsonaro chegou apenas ao quarto lugar nos trending topics, a lista de assuntos que mais ganham atenção no Twitter. Diante desse cenário, petistas passaram a ironizar o ex-presidente e subiram tags como "flopou", gíria atribuída a algo que não cumpre as expectativas. O termo foi usado em coletiva de imprensa pelo ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha.
A máquina de gerar conflitos que existia no governo anterior foi desligada. E quem tentar criar novamente aquele ambiente de conflito vai flopar. pic.twitter.com/y6eHfN7wHe
— Alexandre Padilha (@padilhando) March 30, 2023
Já os aliados de Bolsonaro argumentaram nas redes sociais que o político retornou ao Brasil "mais forte do que nunca" e deve liderar a oposição para "impedir o retrocesso" no País. Eles também acusaram o governo Lula de sabotar a chegada de militantes ao aeroporto. Ao longo do mandato, Bolsonaro usou aparições públicas em motociatas e outros eventos como forma de demonstrar força e contestar índices negativos de popularidade.
Hoje foi dia de receber nosso presidente @jairbolsonaro de volta ao Brasil, que seja bem-vindo. Tenho certeza do seu importante papel de líder para uma parcela importante da população que não está satisfeita com os rumos que o país está tomando. Vamos juntos impedir o retrocesso! pic.twitter.com/h7KpO860k7
— Rogério Marinho (@rogeriosmarinho) March 30, 2023
O conflito se estendeu com uma segunda reclamação de Bolsonaro em reunião na sede do PL. O político alega que teve carros blindados negados pelo governo federal para o deslocamento em Brasília. Em vídeo compartilhado na sua própria conta, ele declarou que corre risco de sofrer atentados, mencionou planos do PCC contra Sergio Moro e outras autoridades e acusou o PT de agir de modo a persegui-lo. Não demorou para influenciadores difundirem a ideia de que o PT estaria em conluio com o crime organizado.
— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) March 30, 2023
Divergências
Diferentemente dos bolsonaristas, que mantiveram um discurso mais coeso, os ministros e parlamentares da base do governo Lula se dividiram entre manter o foco em ações em curso, como o projeto de lei que define um novo arcabouço fiscal, ou atacar Bolsonaro com investigações em andamento e denúncias reveladas pela imprensa.
Ontem, a presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann, gravou um vídeo convidando Bolsonaro a ver "como o Brasil melhorou na sua ausência". O material rendeu uma onda de postagens críticas de adversários. Segundo a revista Veja, alguns parlamentares do partido consideraram a divulgação do material com enfoque político um erro e alegaram que Bolsonaro deveria ser tratado como "caso de polícia".
Tá voltando, genocida? Aqui vai meu recado pro fujão que tem muito a explicar e responder. Os tempos agora são outros e o povo voltou a ter um governo sério, responsável e que cuida das pessoas. pic.twitter.com/0aOqKYASO8
— Gleisi Hoffmann (@gleisi) March 29, 2023
Em outra frente, parlamentares como André Janones (Avante-MG) e Guilherme Boulos (PSOL-SP) decidiram partir para o ataque nesta quinta-feira, 30, explorando investigações em andamento sobre a entrada ilegal de joias no Brasil e os atos golpistas de 8 de janeiro.
O deputado mineiro se notabilizou durante as eleições ao protagonizar um "vale-tudo" nas redes sociais com ataques diários a Bolsonaro e seus aliados, mas diminuiu o ritmo depois da vitória de Lula. Agora, promete retomar a postura. Janones pediu aos seguidores que escrevessem a frase "eu autorizo", anunciou aula de "guerrilha digital" e chamou Bolsonaro de "ladrão de joias" no Twitter.
Não andem com colar, pulseiras, relógios, anéis, enfim, nenhuma joia valiosa pelas ruas de Brasília. Tem um ladrão de joias solto na cidade. Bom dia!
— André Janones (@AndreJanonesAdv) March 30, 2023
Popularidade nos EUA
Apesar de permanecer distante fisicamente do Brasil por quase três meses, Bolsonaro se manteve como um dos protagonistas do debate político nacional durante a temporada nos Estados Unidos. Os principais picos de popularidade, porém, estão relacionados a pautas negativas sobre o seu governo, segundo monitoramento de redes.
Relatório produzido pelo grupo de pesquisa em Comunicação, Internet e Política da PUC-Rio com base em uma amostra de perfis relevantes mostra que Jair Bolsonaro manteve este ano uma média de 83 milhões de visualizações por mês em conteúdos no Youtube, além de 4,9 milhões de interações mensais no Facebook e 32 milhões no Instagram. Ele deixou o Brasil em 30 de dezembro ao se recusar a passar a faixa presidencial a Lula.
Para a pesquisadora Letícia Capone, o impacto se deve tanto ao noticiário "quente" quanto ao alcance que Jair Bolsonaro naturalmente exerce em sua base de seguidores desde quando era deputado federal pelo Rio de Janeiro. "Os picos de menções a Bolsonaro depois que ele viaja para os Estados Unidos se explicam pelos acontecimentos factuais que se desdobram no Brasil. Temos os atentados em Brasília, a denúncia do senador Marcos do Val e a questão das joias, que tiveram uma mobilização maior pelo fato de que o ex-presidente estaria supostamente envolvido, até diretamente."
Em certos momentos, segundo apurou o Estadão na ferramenta Google Trends, o nome de Jair Bolsonaro chegou a ser mais pesquisado no Google que o de Lula, atual presidente da República, mesmo fora do Brasil. As datas coincidem, por exemplo, com o atentado golpista em Brasília (8/1), a divulgação dos gastos do cartão corporativo (12/1), a denúncia do senador Marcos do Val sobre um suposto plano de grampear o ministro Alexandre de Moraes (2/2), a confirmação pela CGU de registro de vacinação de Bolsonaro (17/2) e o escândalo da entrada ilegal de joias no Brasil (4/3).