Um dia depois de recuar no tom de combate a governadores e parlamentares que vinha esboçando nas últimas semanas e pregar união e colaboração em pronunciamento na TV, o presidente da República, Jair Bolsonaro, compartilhou nesta quarta-feira, 1º, um vídeo com críticas a governadores e a medidas de isolamento social.
No vídeo, um homem, que não se identifica e afirma estar na Ceasa de Belo Horizonte, aponta um suposto desabastecimento causado pelo isolamento social, enquanto culpa governadores e diz que Bolsonaro defende uma "paralisação responsável". Ele ainda fala que os governadores tentam "ganhar nome e projeção política".
"Dá uma olhada nisso aí. Pois é, fome, desespero, caos também matam", diz o homem no vídeo compartilhado pelo presidente.
Ao postar o vídeo, Bolsonaro escreveu: "Não é um desentendimento entre o Presidente e ALGUNS governadores e ALGUNS prefeitos. São fatos e realidades que devem ser mostradas. Depois da destruição não interessa mostrar culpados."
Segundo a mídia, Bolsonaro compartilhou uma versão editada do vídeo. Na versão original, o homem fala em "corja de governadores canalhas". O vídeo na íntegra foi publicado pelo site Poder 360.
Após a postagem divulgada pelo presidente, um repórter da rádio CBN de Belo Horizonte foi à Ceasa da cidade na manhã desta quarta e mostrou que o local não enfrenta desabastecimento. Segundo o jornalista, o vídeo divulgado por Bolsonaro foi gravado no sábado, "dia em que não há muitos vendedores" no local.
"De acordo com os produtores, na verdade as vendas até aumentaram nessa pandemia, porque muita gente, com medo de ocorrer um desabastecimento, acabou comprando mais", diz o repórter.
No pronunciamento de terça-feira, igualou a necessidade de salvar vidas à de preservar empregos em meio à crise do coronavírus. "Agradeço e reafirmo a importância da colaboração e a necessária união de todos num grande pacto pela preservação da vida e dos empregos: Parlamento, Judiciário, governadores, prefeitos e sociedade", disse.
Para sustentar seus argumentos, ele voltou a distorcer uma declaração do diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus.
"Por um lado, temos que ter cautela e precaução com todos, principalmente junto aos mais idosos e portadores de doenças preexistentes. Por outro, temos que combater o desemprego, que cresce rapidamente, em especial entre os mais pobres. Vamos cumprir essa missão ao mesmo tempo em que cuidamos da saúde das pessoas", afirmou.
Durante o pronunciamento, Bolsonaro citou vários trechos de um discurso de Tedros de segunda-feira, em que o chefe da OMS disse estar preocupado com as muitas pessoas que ainda "precisam trabalhar para ganhar o pão de cada dia", ao mesmo tempo em que cobrou dos governos que adotem medidas para garantir assistência à população mais pobre durante a crise.
Contudo, mais uma vez o presidente tirou a fala de Tedros de contexto, destacando a primeira parte do discurso, mas omitindo a segunda, sobre a responsabilidade dos governos em assistir os grupos mais vulneráveis.
"Os governos precisam garantir o bem-estar das pessoas que perderam a fonte de renda e que estão necessitando desesperadamente de alimentos, saneamento, e outros serviços essenciais", dissera o chefe da OMS na segunda-feira. "Porque cada indivíduo importa."
Mais cedo em conversa com jornalistas, Bolsonaro havia sugerido que o diretor-geral da organização, em seu discurso, defendeu o retorno da população ao trabalho e criticou medidas de isolamento social, em suposto alinhamento com o pensamento do mandatário brasileiro.
A OMS, porém, segue recomendando o distanciamento social como uma das principais medidas para combater a propagação do coronavírus Sars-Cov-2. Tedros também costuma mencionar a importância de medida em suas entrevistas diárias.