O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), disse ao presidente da República, Jair Bolsonaro, que ele deveria "dar exemplo ao País, e não dividir a nação em tempos de pandemia". A declaração aconteceu durante reunião virtual do presidente com os quatro governadores do Sudeste, na manhã desta quarta-feira (25). Segundo pessoas que participaram da reunião, Bolsonaro se exaltou com a declaração do governador de São Paulo e chegou a chamá-lo de "leviano" e "demagogo".
Bolsonaro também reclamou que Doria teria se apoderado do nome dele nas eleições de 2018 e depois "virou as costas" como fez todo mundo. "Se você não atrapalhar, o Brasil vai decolar e conseguir sair da crise. Saia do palanque", disse Bolsonaro a João Doria.
A fala de Doria durou cerca de 5 minutos. "Sem diálogo não venceremos a pior crise de saúde pública da história de nosso País. Bolsonaro, início na condição de cidadão, de brasileiro, lamentando seu pronunciamento de ontem [terça] à noite à nação. Nós estamos aqui, os quatro governadores do Sudeste, em respeito ao Brasil e aos brasileiros, e em respeito também ao diálogo e ao entendimento. O senhor, como presidente da República, tinha que dar o exemplo. Tem que ser um mandatário para comandar, para dirigir e para liderar o País e não para dividir", disse o governador paulista.
Ainda segundo Doria, o objetivo principal do governo seria salvar vidas. "A nossa prioridade é salvar vidas, presidente. Estamos preocupados com as vidas de brasileiros em nossos Estados. Preservando também empregos e o mínimo que a economia possa se manter ativa. Os Estados estão conscientes disso e governadores também".
O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, também cobrou liderança e responsabilidade do presidente da República.
Dificuldade em marcar reunião
Antes do encontro virtual, diversos governadores reclamaram da dificuldade em conseguir conversar com Jair Bolsonaro. Na era da comunicação instantânea e virtual, chefes do Executivo do Sudeste e do Nordeste do País já lançaram mão de cartas e até mesmo de ofícios por malote como forma de estabelecer contato com o presidente.
Agora, muitos deles até preferem falar com ministros. Embora desde o início da semana o presidente esteja fazendo encontros "on-line" com governadores de cada região do País para tratar da crise do coronavírus, muitas medidas anunciadas parecem agora ofuscadas pelo pronunciamento da noite de terça-feira, quando Bolsonaro não fez questão de esconder os atritos. Antes dessas reuniões virtuais, porém, os chefes de Executivos estaduais encaminharam pelo menos uma dezena de cartas ao presidente.
"Há 15 meses que os governadores não têm nenhuma reunião nem virtual nem presencial com o presidente da República. Mas, deixando de lado qualquer destempero de ordem política, eu quero cumprimentar a decisão do governo federal de promover o encontro com os governadores", disse o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), antes do pronunciamento de Bolsonaro em cadeia nacional de rádio e TV. "Quanto mais entendimento tivermos no País, melhor para a população", completou ele.
Na manhã desta quarta-feira, 25, menos de 24 horas após dizer que algumas autoridades devem "abandonar o conceito de terra arrasada" e que não há motivo para fechar escolas nem para proibir transporte, Bolsonaro tem videoconferência marcada com governadores do Sudeste. Antes da vidoconferência, porém, voltou a criticar Doria e o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC). "Alguns poucos governadores, não são todos, em especial Rio e São Paulo, estão fazendo uma demagogia barata em cima disso. Para esconder outros problemas? Se colocam junto à mídia como salvadores da pátria, como o messias que vai salvar os seus estados o Brasil do caos. Fazem política o tempo todo. Não é esse o caminho que o Brasil deve seguir", afirmou o presidente.
Cartas
Witzel disse que, até hoje, a única forma de se comunicar com o presidente tem sido por meio de cartas, sempre mediadas pelo Fórum de Governadores. Foram pelo menos três, nos últimos dois meses. Antes de recorrer ao Fórum, no entanto, Witzel chegou a encaminhar ofícios solicitando audiência com Bolsonaro.
O documento, datado de 25 de novembro de 2019, nunca foi respondido, segundo a equipe do governador. Ali, Witzel pedia uma reunião para tratar do Regime de Recuperação Fiscal do Estado. De lá para cá se passaram mais de 100 dias. O governador do Rio afirma que nunca conseguiu uma agenda com o presidente.
O ofício, que também solicitava tratativas de assuntos como dengue, zika e chikungunya, chegou a ser protocolado, ainda, no gabinete do então ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.
Doria e Witzel são, no momento, os principais adversários políticos de Bolsonaro. Os dois pretendem disputar o Palácio do Planalto, em 2022, e o presidente quer concorrer à reeleição.
A equipe do governador do Rio reclama até mesmo de "portas fechadas" em ministérios, por ordem de Bolsonaro. A mesma queixa vem dos governadores do Nordeste.
Na última segunda, dia 23, por exemplo, o presidente realizou uma reunião virtual com nove governadores da região, que contou com a participação dos ministros da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, e da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
Além disso, governadores do Sul e Sudeste também estiveram separadamente com Tarcísio naquele dia. Após mais de uma hora de conversa, eles concordaram em mudar decretos para preservar o transporte de cargas no Brasil diante da crise do coronavírus, evitando o fechamento de oficinas e restaurantes à beira da estrada.
"Esse não é o momento de pensar em política e em partido político, é o momento de pensar e cuidar de gente. Por isso agradeço a oportunidade de iniciar o diálogo com o governo federal. Será importante não só para o Nordeste mas para o País inteiro", disse o governador da Bahia, Rui Costa (PT), um dos mais críticos de Bolsonaro, também antes do pronunciamento do presidente na TV.
Outro grupo de governadores recebido por Bolsonaro virtualmente, nesta terça-feira, foi o do Centro-Oeste. Governador do Distrito Federal e coordenador do Fórum de Governadores, Ibaneis Rocha (MDB) afirma que, do ponto de vista do Centro-Oeste, "pelo menos a minha percepção, é de que a reunião foi bastante positiva".
"Existe uma preocupação justificada dos governadores. Eu acho que tem que ter um peso. A dificuldade toda que, eu entendo, é que o presidente tem uma maneira de comunicar que é peculiar. Aí é mais complicado (risos)."
Articulação
A articulação dos governadores ganhou força por meio de grupos de conversas criados nas redes sociais e por meio do Fórum. Com a eleição de 2018, o grupo passou a ser comandado por João Doria, Wilson Witzel e Ibaneis Rocha. Apesar de a coordenação do Fórum ter ficado por conta de Ibaneis, o movimento é articulado com a ajuda direta dos outros dois governantes, que também sugerem quando é a hora do grupo disparar cartas para "alertar" o governo.
Quem acompanha as discussões do Fórum, no entanto, diz que a tensão entre governadores e o presidente Jair Bolsonaro cresceu após atritos causados pela proposta de recriar o Ministério da Segurança Pública, no fim de janeiro, e os debates em torno da cobrança do ICMS, no início de fevereiro. Naquele mês, a modalidade de carta foi usada pelos governadores até mesmo para pressionar o presidente da República no caso do ex-policial militar Adriano Magalhães da Nóbrega, morto em confronto com a polícia baiana e acusado de chefiar uma milícia.
Na ocasião, Rui Costa disse que o que os governadores queriam ser chamados para discutir como melhorar a saúde e a educação, "e não ser agredidos de forma regular e permanente pela Presidência da República".
A última carta assinada pelos 25 governadores foi encaminhada ao presidente Bolsonaro no último dia 19 de março. Os chefes dos governos estaduais cobravam medidas emergenciais no combate ao coronavírus. O documento, assinado por cada um dos governantes, foi divulgado à imprensa e encaminhado em uma malote fechado ao Palácio do Planalto.
Com informações do Estadão Conteúdo.