O presidente Jair Bolsonaro intensificou a estratégia da comunicação direta com os eleitores, após ser chamado até mesmo de "traidor" nas redes sociais por tomar medidas consideradas polêmicas por seus seguidores, destaca o jornal O Estado de S. Paulo. Nas últimas semanas, Bolsonaro praticamente aposentou a figura do porta-voz e ampliou as aparições em "lives", como são chamadas as transmissões ao vivo no Facebook, na tentativa de dar o seu recado. Na sua avaliação, é preciso "preparar a opinião pública" e traduzir temas espinhosos, como o fundo eleitoral.
"Vocês arrebentam comigo", disse o presidente, em recente conversa com jornalistas, ao afirmar que está no meio de um "massacre". A aposta na comunicação sem intermediários não é nova, mas foi reforçada depois que Bolsonaro começou a receber críticas de seus mais fiéis apoiadores. A queda de popularidade do presidente também acendeu o sinal amarelo no Palácio do Planalto. Pesquisa CNI/Ibope mostrou que, em dezembro, 38% dos brasileiros reprovaram a gestão de Bolsonaro.
"No fim, quem paga o pato sou eu", reclamou ele, nesta terça-feira (7) ao criticar governadores que não apoiam a proposta de redução do ICMS sobre combustíveis para conter a alta dos preços. Antes, ele também já tinha se queixado da "incompreensão" dos outros com suas atitudes. "Cai tudo no meu colo. Parece que sou responsável por tudo", afirmou.
O movimento é planejado, mas também há muito improviso. Se dependesse do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), por exemplo, o presidente só investiria nas mídias sociais e ignoraria a imprensa tradicional. O filho zero dois do presidente já escreveu no Twitter que a comunicação do governo "sempre foi uma bela de uma porcaria". No fim do ano passado, Bolsonaro cancelou as assinaturas de jornais e revistas no Palácio do Planalto.
Acostumado a responder pessoalmente a alguns comentários de seus seguidores nas redes, o presidente também recorre à prática de madrugada, quando não consegue dormir. Embora sua intenção seja se aproximar mais dos eleitores, às vezes ele também entra em discussões virtuais.
Amparo
Após manter a figura do juiz de garantias no pacote anticrime, logo após o Natal, Bolsonaro foi ao Facebook apresentar justificativas que amparassem sua decisão. Diante dos ataques recebidos de apoiadores, que criticavam o eventual aumento de custos causado pela medida, ele fez transmissões ao vivo e também reagiu a comentários. Em uma publicação, chegou a afirmar que a medida trazia "zero custo" para o Executivo. "Quando entrar em vigor e te prejudicar, você anuncia que não me apoia mais, tá ok?", escreveu ele, dirigindo-se a um eleitor insatisfeito.
Nos bastidores, o diagnóstico de auxiliares de Bolsonaro é que o assunto só ganhou essa repercussão por causa das críticas feitas pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, ao juiz de garantias. Além dos custos extras, quem é contra a medida argumenta que ela pode atrapalhar investigações em curso. Os defensores da ideia, entre os quais seis ministros do Supremo, argumentam que o juiz de garantias trará mais segurança aos processos, pois o magistrado que dará a sentença não terá decidido nenhum pedido da investigação.
Em outra ocasião, o presidente também preparou o terreno para a possível sanção do fundo eleitoral de R$ 2 bilhões, que passou pelo crivo do Congresso e vai abastecer as campanhas. Foi o Planalto que negociou esse valor com os parlamentares, mas, após ser pressionado por seguidores nas redes, o presidente ameaçou vetar o trecho do projeto. Logo depois, porém, recuou. "Eu vou vetar isso? Com toda certeza, alguém vai entrar com um pedido de impeachment", afirmou ele em uma live, no dia 2. Para a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), ex-líder do governo, Bolsonaro usou de "má-fé" e cometeu "estelionato moral" ao associar impeachment a um possível veto do fundo. Em reportagem publicada pelo Estado, os autores do pedido de impeachment de Dilma Rousseff - o jurista Miguel Reale Júnior e a deputada estadual Janaína Paschoal - disseram não haver motivo para impedimento em eventual veto ao fundo, já que isso é uma prerrogativa do presidente.
Bolsonaro tem por hábito usar uma linguagem informal nas redes, mas, ao contrário de seu filho Carlos, nem sempre rebate postagens de desafetos políticos, como Joice. Tenta, porém, atrair eleitores virtualmente. Ainda na terça, o presidente recebeu um casal que se aproximou dele pelas redes sociais. Auder dos Santos pediu para tirar uma foto com a noiva no Planalto. "(...) Amanhã estarei na Presidência. Apresente essa postagem e diga para te levar na minha sala. Boa noite", respondeu Bolsonaro. O encontro foi compartilhado por ele nas redes, em mais um capítulo da comunicação direta.
Corrupção
Eleito com a bandeira do combate à corrupção, o presidente Jair Bolsonaro tratou pouco do assunto em 2019 no seu principal canal de comunicação com a população: o Twitter. O tema aparece apenas no décimo oitavo lugar entre os assuntos mais falados pelo presidente na rede social. Economia, relações internacionais, segurança e infraestrutura foram os tópicos mais abordados pela conta oficial de Bolsonaro em seu primeiro ano de governo, segundo levantamento feito por meio da plataforma DataTora.
Os únicos ministros em cujas postagens no Twitter a corrupção aparece entre os cinco assuntos mais comentados em 2019 são os que cuidam de pastas diretamente ligadas ao tema: Sérgio Moro, da Justiça e Segurança Pública, e Wágner Rosário, da Controladoria-Geral da União (CGU). Se considerarmos todas as postagens feitas pelos principais integrantes do governo - ministros e secretários - ativos na rede social, a corrupção aparece apenas no décimo sétimo lugar entre os assuntos mais abordados.
O assunto foi lembrado nessa semana por quem já esteve no núcleo duro do governo. O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo, afirmou na segunda-feira, 6, que o governo se afastou da bandeira do combate à corrupção e que essa preocupação não ficou "tão caracterizada", o que, segundo ele, gerou "desilusão para muita gente".
Pesquisa Ibope feita em dezembro mostra que a investigação sobre a suspeita de "rachadinha" - quando parte do salário do servidor é repassada ao político - no gabinete do hoje senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), filho mais velho do presidente, é uma das notícias sobre o governo mais lembradas espontaneamente pelos entrevistados - 2% citaram o caso.
Além da suspeita de "rachadinha, o Ministério Público também investiga indícios de lavagem de dinheiro e peculato em movimentações financeiras de Flávio. Em dezembro, a Justiça autorizou operação de busca e apreensão em endereços ligados ao ex-assessor de Flávio, Fabrício Queiroz, do próprio senador - sua loja de chocolates - e a parentes de Ana Cristina Valle, ex-mulher de Bolsonaro.
Outro caso de suspeita de corrupção ronda o entorno do Planalto. O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, foi indiciado pela Polícia Federal sob suspeita de comandar um esquema de candidaturas laranjas no PSL mineiro, presidido por ele durante a campanha do ano passado. Bolsonaro resiste em afastar o ministro e já chegou a dizer que apenas aqueles tornados réus pela Justiça serão afastados do governo.
Para o professor da pós-graduação em marketing político da ECA/USP, Kléber Carrilho, o discurso anticorrupção normalmente é adotado por quem está fora do governo. "Quem está no governo sempre é vidraça." Para Carrilho, a imagem de Moro como personagem político "é muito mais ligada ao combate à corrupção do que a do presidente".
Para o procurador de Justiça e presidente do instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu, não há uma postura de Bolsonaro, que coloque o combate à corrupção como prioridade. "Não podemos dizer que estamos diante de um governo que prioriza de maneira absoluta o combate à corrupção", disse. Ele destaca a escolha de Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República como um elemento que gerou ruído. "Ainda que não seja obrigado a indicar alguém da lista do MPF, é recomendável. Ao escolher alguém por encomenda, em cada atitude do PGR, o presidente ele poderá ser cobrado."