Bolsonaro na ONU: por que presidente não deve conversar com Biden em Nova York, mesmo dividindo hotel e palco

Durante eleição americana em 2020, Bolsonaro repetiu sua preferência pela vitória de Trump, chegou a dizer que Biden venceu graças a fraude e foi o último dentre os líderes do G20 a reconhecer a vitória do presidente americano.

21 set 2021 - 06h53
(atualizado às 07h21)

Os presidentes dos Estados Unidos, Joe Biden, e do Brasil, Jair Bolsonaro, possivelmente nunca tiveram tanto em comum como no período de aproximadamente 24 horas entre a tarde do dia 20 e o fim da manhã do dia 21 deste mês.

Montagem com fotos de Bolsonaro e Biden lado a lado
Montagem com fotos de Bolsonaro e Biden lado a lado
Foto: Alan Santos/PR | Getty Images / BBC News Brasil

Ambos dividem o mesmo teto e o mesmo palco político: Biden e Bolsonaro falarão um na sequência do outro na abertura da 76ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), na manhã desta terça (21/9), e estão hospedados no hotel International Barclays, na cidade de Nova York.

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Apesar da coincidência de agendas — e das intensas gestões pelo lado brasileiro para que os dois presidentes tivessem seu primeiro encontro formal desde que o democrata assumiu o comando da Casa Branca —, é improvável que eles se falem por mais do que poucos segundos.

"Seria ótimo para quebrar esse gelo bobo", afirmou um alto funcionário do Itamaraty, que torce para que a troca de postos no púlpito da Assembleia Geral possa render ao menos cumprimentos cordiais, embora breves, entre os dois mandatários.

Em 2019, foi justamente nesse momento que o então presidente americano Donald Trump elogiou o discurso de Bolsonaro, que respondeu dizendo que o amava. Nada parecido é esperado agora, no entanto.

Desde que Biden chegou à Casa Branca, em janeiro, ele e Bolsonaro jamais se falaram diretamente, nem mesmo ao telefone, apesar de Biden ter falado com mais de três dezenas de líderes ao redor do mundo, incluindo o argentino Alberto Fernández. Ambos se limitaram a trocar cartas.

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Durante a acirrada campanha eleitoral americana em 2020, Bolsonaro não fez segredo sobre sua preferência pela vitória do republicano Trump, de quem é próximo. Após o triunfo de Biden, o mandatário brasileiro chegou a mencionar acusações infundadas de fraude eleitoral nos EUA e foi o último dentre os líderes do G-20 a reconhecer a vitória do democrata.

Apoiadores tiram foto com Jair Bolsonaro durante visita do presidente brasileiro aos Estados Unidos
Foto: Mariana Sanches/ BBC News Brasil / BBC News Brasil

Intermediários entre os dois presidentes

De lá pra cá, diversos setores dos governos de Brasil e EUA seguem engajados em diálogos e trocas, mas há uma clara percepção entre diplomatas de que Biden evita o engajamento direto com Bolsonaro e aproveita a presença de seu secretariado para manter entre si e o colega brasileiro um número razoável de intermediários.

No Departamento de Estado, Bolsonaro tem sido visto como pouco previsível, o que poderia resultar em interações pouco seguras ou vantajosas para o americano, que tenta reafirmar o protagonismo dos Estados Unidos no diálogo multilateral, depois da gestão de Trump, que primava por relações bilaterais e focadas em poucos aliados.

Uma interação breve, mas positiva, na ONU, dependerá não só do histórico de ações de Bolsonaro, mas também de suas palavras nos 20 minutos de discurso. Até a noite de segunda (20/09), a menos de 12 horas do evento, o teor da fala do brasileiro não estava 100% fechado.

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O deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente que o acompanha na viagem, chegou a comentar com jornalistas que passaria ao menos duas horas com o pai editando o conteúdo elaborado primariamente pelo Itamaraty. O texto original era construído em três pilares: meio ambiente, vacinas e economia. Acenos à base eleitoral devem ser incluídos.

O difícil equilíbrio entre pragmatismo e pautas ideológicas deve determinar a reação pelos americanos. Na descrição feita reservadamente por um auxiliar de Bolsonaro à reportagem, na manhã desta segunda, "o presidente está muito bem disposto e sempre preparado para fazer uma besteira".

Kerry e Leite, Blinken e França

Se a conversa entre Biden e Bolsonaro é improvável, a situação é diferente entre os auxiliares dos dois presidentes.

O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, se encontrará com o enviado presidencial para Mudanças Climáticas, John Kerry, ainda na tarde desta terça, 21. Será a segunda reunião entre ambos em apenas cinco dias.

No último encontro — feito em modo remoto —, Kerry teria até mesmo elogiado a queda no desmatamento no Brasil medido no mês de agosto. No meio do ano, a relação entre Kerry e integrantes da gestão Bolsonaro esfriaram significativamente dada a percepção entre os americanos de que o então ministro Ricardo Salles não oferecia resultados concretos de combate à devastação ambiental. Nas últimas semanas, no entanto, tem havido uma reaproximação.

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Para colaborar com isso, a previsão é que durante o discurso, Bolsonaro informe ao mundo — e a Biden — que cumpriu uma promessa feita ainda em abril, durante a cúpula do clima organizada pelo americano.

Desmatamento na Amazônia atingiu em 2020 o maior índice dos últimos 12 anos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Na ocasião, Bolsonaro prometeu dobrar o orçamento de fiscalização ambiental. Em agosto, a verba de órgãos de controle como o Ibama foi aumentada em 118%. A gestão brasileira tenta oferecer aos americanos um aumento na interlocução com países em desenvolvimento na América Latina e na África e o engajamento deles na questão do clima. Em troca, quer que os países desenvolvidos se comprometam na COP-26, a cúpula climática que acontece na Escócia, em novembro, a transferir recursos para investimento em infraestrutura e fontes renováveis de energia nesses países.

Além de Kerry, outro a ter agenda com a delegação brasileira será o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken. Teria partido dele o convite de encontro com o chanceler Carlos França. Na mesa, além da questão climática — prioridade para os americanos — há ainda a pressão contra a participação de empresas chinesas na rede 5G do Brasil e questões regionais, como a crise na Venezuela e no Haiti.

Nesta segunda, o governo Bolsonaro comemorou o anúncio do Departamento de Estado de que restrições a viajantes do Brasil, instituídas há um ano e meio por causa da pandemia de covid-19, seria abolida. Brasileiros completamente vacinados poderão ingressar nos EUA sem necessidade de quarentena em um terceiro país, desde que apresentem resultados negativos de testes PCR. A liberação entra em vigor em novembro.

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E se a proximidade física entre Biden e Bolsonaro não significará necessariamente um ganho para as relações entre os países, nesta segunda ela trouxe ao menos um inconveniente à delegação brasileira.

A primeira-dama Michelle Bolsonaro, que voltava de compras em Nova York, ficou retida para fora do cordão de isolamento da polícia americana, que limitou o acesso ao prédio do hotel por quase duas horas enquanto a comitiva de Biden se aproximava do local. Quando venceu as barreiras de segurança, que incluíam até fila de caminhões carregados de areia, Michelle foi resgatada por um integrante do cerimonial da presidência que a livrou de um exame do detector de metais do serviço de segurança dos EUA anunciando se tratar da primeira-dama do Brasil.

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