O senador Marcos Do Val (Podemos-ES), que vai deixar a vida política, revelou para a revista Veja o conteúdo de uma reunião na qual o então presidente Jair Bolsonaro (PL) lhe pediu para que gravasse o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), como forma de um plano para anular as eleições de 2022.
Segundo a revista, no dia 9 de dezembro, o senador se reuniu com Jair Bolsonaro e soube da arquitetura de um golpe para que o chefe do Executivo se perpetuasse no poder ao impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente da República.
O plano consistia em Do Val se aproximar e gravar conversas com Moraes até registrar algo comprometedor o suficiente para levá-lo a prisão e, dessa forma, instaurar o caos institucional no País.
Além do senador, também estava presente da reunião o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), que foi preso nesta quinta-feira, 2. O encontro foi cercado de cuidados, como a criação de códigos para que os parlamentares pudessem ir ao evento próximo ao Palácio da Alvorada, em Brasília.
"Vou te mandar a minha localização, mas tu não entra não, no Alvorada. E nem chega perto da entrada. Tu não vai aparecer. Tu vai parar o carro no estacionamento que eu vou te mandar a localização. Eu vou estar ali. O carro vai vir buscar a gente”, escreveu Silveira para Do Val.
Ao chegar ao local, um carro da segurança de Bolsonaro os buscou e os levou até o Alvorada sem que houvesse registro da entrada deles.
No Palácio, Bolsonaro, Silveira e Do Val conversaram por 40 minutos. Foi nesse momento que o plano golpista foi revelado: captar alguma conversa que pudesse comprometer Alexandre de Moraes, a quem Bolsonaro atribuiu à derrota nas eleições. Do Val ainda ouviu de Silveira que, se fizesse isso, “você será um herói nacional”.
Suporte do GSI, pressão e possível envolvimento de militares
Segundo o relato do senador para a Veja, o plano envolveria a estrutura do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que forneceria equipamentos para a gravação, essencial para o plano que Bolsonaro disse que "salvaria o Brasil".
Do Val foi escolhido para a missão por ser próximo de Moraes, a quem conhece há anos. Após a proposta, o senador disse que precisava de tempo para pensar, mas passou a ser pressionado por Silveira através de mensagens. O deputado disse que o plano era seguro, que apenas os três sabiam disso e que outras duas pessoas saberiam do plano após conclusão da primeira etapa. Disse ainda que essas duas pessoas seriam "cinco estrelas", dando a entender que se tratava de militares.
Segundo Silveira, nem mesmo um dos filhos de Bolsonaro, o senador Flávio, sabia da proposta.
Como Do Val não respondeu, Silveira passou a pressioná-lo ainda mais, reforçando que não havia riscos, que ninguém saberia do plano e destacando sua "importância".
“Não sei se você compreendeu a magnitude desta ação. Ela define, literalmente, o futuro de toda a nação”, escreveu em uma das mensagens enviadas para a revista.
Encontro com Moraes
Marcos do Val acabou se comunicando com Moraes e agendando um encontro, mas não para realizar o que Bolsonaro havia lhe pedido, mas para denunciá-lo.
“Precisava falar como foi o encontro com o PR [presidente da República] e o DS [Daniel Silveira]” sobre "uma ação esdrúxula, imoral e até criminal”, escreveu o parlamentar. Alexandre respondeu e sugeriu uma data de encontro: 14 de dezembro.
Naquele dia, Moraes encontrou Do Val no intervalo de uma sessão do STF e, em um pouco minutos, revelou o plano golpista. Segundo o senador, Moraes apenas disse "não acredito" e demonstrou estar espantado. Depois, o senador respondeu as mensagens de Silveira afirmando que declinaria da missão. "Entendo, obrigado", retornou o deputado.
A revista Veja procurou os mencionados na reportagem. Daniel Silveira afirmou, através de seis advogados, que não pode falar com jornalistas devido à medidas impostas pelo STF. Jair Bolsonaro, que está nos Estados Unidos, não foi encontrado. Após revelar o plano, Marcos do Val anunciou que irá renunciar seu mandato de senador e deixar a vida política.