Por pressão do Senado, o presidente Jair Bolsonaro se prepara para afastar do cargo o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Filipe Martins. O plano de Bolsonaro é tirar o auxiliar de sua assessoria mais direta, mas não abandoná-lo por completo. O Palácio do Planalto busca uma saída para não desagradar à militância bolsonarista conservadora e ideológica, que tem em Martins um de seus principais nomes no governo.
O assessor está prestes a perder o cargo por ter repetido um gesto que os senadores interpretaram como ofensivo, nesta quinta-feira, dia 25, durante uma sessão de debates no Senado. Martins acompanhou a audiência pública do chanceler Ernesto Araújo, que também teve a demissão do cargo de ministro das Relações Exteriores cobrada pela cúpula da Câmara e do Senado.
Enquanto o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), falava ao vivo na transmissão pela TV, Martins, sentado atrás dele, gesticulou com o polegar fechado formando um círculo com o indicador e os demais dedos esticados. Balançou a mão algumas vezes, como se enfatizasse o gesto. Em seguida, passou a ajustar o paletó.
Senadores logo protestaram, associando o gesto a um xingamento obsceno e a uma mensagem de ódio - ele formaria as letras WP (White Power), uma saudação de supremacistas brancos. Martins negou qualquer associação com discurso de ódio, mas não convenceu os senadores. O assessor de Bolsonaro disse que estava tão somente ajeitando o blazer, com as mãos em posição incomum.
Pacheco determinou que as imagens fossem investigadas pela Polícia Legislativa. Ao Planalto, o presidente do Senado fez chegar o aviso de que quer dar uma satisfação aos colegas, que se sentiram ofendidos por Martins.
Muito próximo do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho 03 do presidente, o assessor internacional já discutiu seu futuro com o presidente quatro vezes. A decisão está em avaliação. Ele pode ir para um cargo no exterior ou ser acomodado numa função de menor exposição, que influencia menos nas decisões e discursos de Bolsonaro.
Desde o início do governo, o triunvirato que dá as cartas na política externa é formado por Ernesto Araújo, Filipe Martins e Eduardo Bolsonaro. Os dois primeiros discutiram a situação com o presidente, nesta quinta-feira, 25. Segundo relatos de quem acompanhou a conversa, Bolsonaro ainda resiste em remover o chanceler do cargo. O fiador tem sido o filho 03. "Em dois anos, fomos de anão diplomático financiador de ditaduras para grande parceiro de importantes países. O ministro Ernesto Araújo tem todo o meu apoio", escreveu Eduardo no Twitter.
Uma das preocupações do governo é que Martins seja classificado como "mártir" pela militância, como ocorreu com o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, e exerça uma liderança que inflame a base bolsonarista contra o presidente. Segundo um auxiliar de Bolsonaro, tanto no Planalto quanto no Senado uma solução intermediária tem sido vista como alternativa melhor que a demissão.
Pressão
Araújo, por sua vez, está sob intensa pressão e, de acordo com seus aliados, foi abandonado pela articulação política do Planalto, comandada por um desafeto, o ministro Luiz Eduardo Ramos. A queda de Martins, no entendimento de auxiliares de Bolsonaro, poderia servir como anteparo para manter Araújo como chanceler, pois a ala ideológica do governo perderia um cargo de relevo no Planalto. No Itamaraty, diplomatas também não apostam na troca imediata de Araújo, apesar do desgaste.
Apesar das cobranças dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que pedem a mudança de comando no Ministério das Relações Exteriores, Bolsonaro resiste a trocar o chanceler. Araújo disse ao Estadão ter muita afinidade com a visão de mundo do presidente e executar uma política externa determinada por ele, e não em caráter pessoal. Outra opção cogitada seria encontrar para o ministro um cargo que não dependa de aval dos senadores, como organismos internacionais;
Os senadores querem que Araújo renuncie ao Itamaraty. Neste caso, para escapar da sabatina no Senado, cuja aprovação é considerada improvável, ele não poderia assumir nenhuma embaixada, mas talvez um consulado. Para seu lugar já circularam diversos nomes, quase todos políticos.
Nessa lista estão os senadores Nelsinho Trad (MS) e Antônio Anastasia (MG), ambos do PSD, e Fernando Collor de Mello (Pros-AL), assim como o ex-presidente Michel Temer (MDB). Do próprio governo, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM), é bem vista pela diplomacia, mas teria rejeitado sondagens. Se a opção for por um diplomata, voltaram a ser citados os embaixadores Luiz Fernando Serra (Paris), Nestor Forster (Washington) e Maria Nazareth Farani Azevedo (cônsul em Nova York).