O novo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, vai procurar na próxima semana magistrados do Supremo Tribunal Federal, na tentativa de se aproximar da Corte. Após protagonizar nova crise, quando decidiu trocar o comando das Forças Armadas, o presidente Jair Bolsonaro tem dito que não quer novo confronto com o STF.
O discurso, porém, não condiz com a prática. Um dos fatores que mais pesaram para o desgaste na relação de Bolsonaro com os generais foi a recusa dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica em esticar a corda com a Corte e com governadores.
Braga Netto substituiu na Defesa Fernando Azevedo e Silva, que foi assessor especial de Dias Toffoli quando o magistrado presidia o Supremo. Azevedo tinha boa interlocução no tribunal. Primeiro a ser demitido, na segunda-feira passada, o general ficou conhecido na tropa por ajudar a apaziguar os ânimos no difícil relacionamento de Bolsonaro com a Corte.
Seu sucessor, por outro lado, é visto como um "cumpridor de missões", mas não tem o mesmo perfil. Oficiais ficaram insatisfeitos com o fato de Braga Netto ter dado as costas para antigos colegas e não alertar Bolsonaro sobre a gravidade de seus atos. Nos bastidores havia comentários de que o presidente se preparava para uma "aventura golpista". "Calma, gente! Podem dormir com o passaporte no cofre", ironizou o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL). "Não há risco para a democracia. Só se matarem todo mundo", emendou ele, em tom de brincadeira.
Em conversas reservadas, Braga Netto mostra preocupação em se desvencilhar da imagem de que será "um novo Pazuello" - referência ao ex-ministro da Saúde, que teve a passagem pela Esplanada marcada pela submissão a Bolsonaro. "É simples assim: um manda e o outro obedece", disse o então titular da Saúde em outubro, quando Bolsonaro mandou cancelar a compra de 46 milhões de doses da vacina Coronavac.
Bolsonaro decidiu dar a cadeira da Defesa para Braga Netto porque, na sua avaliação, Azevedo se mostrava "indisciplinado". O então titular do ministério não quis mandar Pazuello de volta para o quartel quando Bolsonaro desejava alocá-lo na Esplanada; não confrontou decisões do Supremo e se recusou a substituir o então comandante do Exército, Edson Pujol.
Sem enxergar naqueles chefes militares um alinhamento com seu projeto político, Bolsonaro trocou toda a cúpula das Forças Armadas. Assim, ele substituiu Pujol por Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira no comando do Exército. Para a Marinha o escolhido foi o almirante de esquadra Almir Garnier, no lugar de Ilques Barbosa; e, na Aeronáutica, o brigadeiro Carlos Almeida Baptista Junior sucedeu a Antônio Carlos Bermudez.
Quando o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo, anulou as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Bolsonaro queria que Pujol soltasse uma nota contrária à decisão. Na prática, desejava que ele repetisse o gesto do ex-comandante Villas Bôas, mas não teve sucesso na empreitada. "Política não entra nos quartéis", avisou Pujol.
Aliados dizem que Bolsonaro pegou "birra" de Pujol. Até hoje o presidente cita que, em abril de 2018, Villas Bôas o ajudou ao publicar mensagem no Twitter, às vésperas do julgamento de um habeas corpus no STF, para evitar a prisão de Lula. Villas Bôas afirmou nas redes sociais que o Exército compartilhava o "anseio dos cidadãos de bem de repúdio à impunidade" e se mantinha "atento às suas missões institucionais".
O Supremo rejeitou, em seguida, o pedido da defesa de Lula, que foi preso e impedido de participar da campanha eleitoral naquele ano. O episódio voltou à tona recentemente e provocou novo atrito com a Corte porque Villas Bôas disse, em depoimento para um livro da editora FGV, que teve aval do Alto Comando para publicar aquela mensagem, interpretada como pressão aos magistrados.
'Meu Exército'
No dia em que o STF abriu caminho para a candidatura de Lula em 2022, ao derrubar suas condenações na Lava Jato, Bolsonaro exigiu que o "seu" Exército reagisse. Não houve resposta. Lula, na avaliação do Planalto, é o maior adversário de Bolsonaro em 2022.
Nenhum dos oficiais quis entrar na briga com o Supremo, como esperava Bolsonaro, quando a Corte decidiu que Estados e municípios têm autonomia para decretar medidas de isolamento social para enfrentar a pandemia de covid-19.
O presidente também não se conformou com o silêncio da cúpula das Forças Armadas quando reforçou o apelo à tropa para defendê-lo. Na transmissão ao vivo pelas redes sociais, ontem, ele voltou ao assunto. "Eu quero repetir aqui: o meu Exército brasileiro não vai às ruas para agir contra o povo ou para fazer cumprir decretos de governadores e prefeitos. Não vai. O meu Exército, enquanto eu for presidente, não vai. O que estão esperando acontecer?", questionou. Bolsonaro disse, mais uma vez, que teme problemas sociais graves no País porque há "um sentimento cada vez maior de revolta" de pessoas na miséria.
Na live semanal de ontem, o presidente negou a politização do comando militar. Nos últimos dias, ele tem exigido ser tratado como "comandante supremo das Forças Armadas". Foi assim que Braga Netto o chamou ao ler Ordem do Dia alusiva a 31 de março de 1964, quando o golpe militar completou 57 anos. O ministro assumiu o texto escrito por Azevedo, mas encaixou ali que era preciso "celebrar" o "movimento" e tirou um trecho referente ao papel das Forças como instituição de Estado.