No momento, praticamente não existe um chefe de governo democrático que queira se encontrar com Jair Bolsonaro. Na União Europeia, evita-se prudentemente o presidente brasileiro, pois isso não pegaria bem junto ao eleitorado. Nem mesmo os fãs do britânico Boris Johnson devem ter uma opinião muito boa de Bolsonaro, conhecido no exterior sobretudo por duas coisas: a devastação da Floresta Amazônica e sua catastrófica gestão da pandemia, com mais de 550 mil brasileiros mortos.
Como ninguém quer se encontrar com Bolsonaro, ele aceita o que vem. Nesse caso foi, justamente, Beatrix von Storch, deputada federal e vice-porta-voz da ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD). Não se trata de um partido normal: o Departamento Federal de Proteção da Constituição - uma espécie de Abin alemã - levantou suspeitas de que a sigla abrigaria extremistas e impunha ameaças à ordem democrática, chegando a colocá-la sob observação do serviço secreto.
Além disso, o presidente do Brasil se encontrou com uma mulher que tachou a chefe de governo alemã, Angela Merkel, de "a maior criminosa da história da Alemanha do pós-guerra". O fato de ele se deixar ser visto ao lado dessa pária sublinha mais uma vez o desastre que o bolsonarismo perpetrou na política externa brasileira.
A perda de importância do país é dramática: Bolsonaro reduziu o Brasil de peso-pesado internacional a mero peso-mosca. É mais ou menos como se Merkel marcasse uma reunião com o deputado (e palhaço) brasileiro Tiririca, para discutir com ele o futuro da Europa e da América Latina.
O problema não são os avós
Como mostram as fotos do encontro, Bolsonaro e Von Storch se divertiram à beça. Poucas vezes se viu o presidente com um sorriso tão largo, e a ultradireitista alemã tão relaxada. O problema do encontro não é a ascendência de Beatrix von Storch - como enfatizaram diversos veículos de imprensa brasileiros. De fato, ambos seus avôs estiveram profundamente envolvidos nos crimes nazistas: um como ministro de Adolf Hitler (e criminoso de guerra condenado), e o outro como membro convicto do Partido Nacional-Socialista (NSDAP) e oficial da milícia SA.
Só que milhões de alemães têm antepassados que veneravam Hitler, injuriavam os judeus e se apoderaram de suas fortunas quando foram deportados e assassinados. Os avôs e bisavôs da maior parte dos alemães eram soldados da Wehrmacht, as Forças Armadas nazistas, ou até membros do NSDAP ou da força paramilitar SS.
Um de meus avôs viveu por um breve período num apartamento em Gleiwitz (hoje Gliwice, na Polônia) que pertencia a judeus deportados. A cidade fica próximo ao campo de extermínio de Auschwitz, e minha mãe se lembra até hoje que em certos dias "chovia cinza". Ninguém lhe explicava por quê.
Meu outro avô voltou para casa de um campo de prisioneiros soviético cinco anos após o fim da Segunda Guerra, mudo e sem reconhecer os filhos. Ele jamais falou sobre a guerra. Nós supomos que ele vivenciou coisas terríveis e talvez também tenha participado de atrocidades.
"Pérolas" da ultradireita alemã
Não se pode condenar os alemães de hoje à punição coletiva. E tampouco se pode acusar Beatrix von Storch de ter a família que tem. O que pode lhe ser imputado é ela dar continuidade à ideologia criminosa de seu avô. Ela disse que é lícito atirar em refugiadas e seus filhos que tentem atravessar a fronteira para a Alemanha, e pertence a uma sigla, a AfD, cujos deputados e funcionários disseram coisas como estas:
"Afinal, agora nós temos tantos estrangeiros no país que valeria a pena mais um Holocausto."
"Eu desejo tanto uma guerra civil e milhões de mortos, mulheres, crianças. Para mim, tanto faz. Seria tão bonito. Quero mijar nos cadáveres e dançar em cima dos túmulos. Sieg Heil!"
"Esse tipo de gente [estrangeiros e esquerdistas], é claro que temos que eliminar."
"Quando a gente chegar, vai ter arrumação, vai ter purgação!"
"Homossexuais na prisão? A gente também devia fazer isso na Alemanha!"
"Precisamos atacar e acabar com os meios de comunicação impressos."
"Lares para refugiados em chamas não são um ato de agressão."
"Fuzilar a corja ou mandar de volta para a África abaixo de pancadas."
Solidão patética
É possível que tais declarações nem soem tão estranhas para os leitores brasileiros. Seu presidente já soltou coisas do gênero, por exemplo: "Fazendo o trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil, começando com o FHC. Não deixar pra fora, não, matando. Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocente."
Portanto, é inegável o parentesco de espírito entre Bolsonaro e Von Storch. Ambos são representantes da nova ultradireita global, que prega racismo, homofobia e autoritarismo, e para tal se serve de táticas, formulações e teorias de conspiração análogas. O mais absurdo que compartilham é a afirmação de que defenderiam "valores conservadores e cristãos". Eles não defendem valor nenhum!
Jair Bolsonaro e Beatrix von Storch são irmão e irmã no espírito. O fato de o presidente brasileiro - assim como seu filho Eduardo, ou o ministro da Ciência Marcos Pontes - se encontrar com essa pária da política alemã mostra, acima de tudo, quão solitário e absolutamente incompetente esse governo se tornou. Está isolado por ser incapaz de travar um diálogo com quem pense diferente. Diplomacia lhe é uma palavra desconhecida. Para o Brasil, que há poucos anos ainda tinha um peso no mundo como país de referência, é uma tragédia.
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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.