O juiz federal Marcelo Bretas, responsável pelos desdobramentos da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro, não descartou entrar para a política. Durante evento organizado nesta sexta-feira, 26, pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos em Nova York, ele afirmou: "Quem sabe se daqui a alguns anos, se eu me aposentar, eu não me torne um político, não é? Pode ser, eu não sei". A frase foi parte da resposta do juiz a uma pergunta sobre problemas do Rio de Janeiro. O magistrado disse que a avaliação vai "além de sua capacidade" como juiz e deveria ser dirigida a um governador e, então, afirmou que pode entrar para a política.
"Sei que a imprensa está aqui, adianto que não tenho projeto, não estou planejando nada disso, mas quem sabe? Um dia eu espero aposentar. Se tiver saúde e chegar até lá, até porque a aposentadoria está sendo difícil, vai ser um produto escasso qualquer dia no Brasil também", completou o juiz. Logo depois de sua apresentação, parte da plateia, composta por advogados e empresários brasileiros e americanos, fez fila para tirar fotos ao lado do juiz brasileiro.
Integrantes da Lava Jato com frequência são alvo de críticas por congressistas, que acusam investigadores de agirem movidos por ambições políticas. Nesta semana, o ministro Gilmar Mendes afirmou em tom crítico que a Lava Jato virou "um partido político". A ida do juiz Sérgio Moro ao Ministério da Justiça, no governo do presidente Jair Bolsonaro, acentuou as críticas. Com a saída de Moro do Judiciário, Bretas despontou como o protagonista da operação, sendo responsável por ter levado à prisão o ex-governador Sérgio Cabral e pelo pedido de prisão do ex-presidente Michel Temer, posteriormente colocado em liberdade.
Assim como já havia feito no dia anterior, também em evento em Nova York, o juiz rebateu críticos da Lava Jato. Segundo ele, os críticos são "estridentes" e parte de um "mesmo grupo" que tem "interesses".
Bretas ainda criticou o que chamou de "tráfico de influência" de escritórios de advocacia que "empregam esposas de ministros" junto ao Judiciário. "Dizer que o Judiciário é isento de política não é verdade", afirmou Bretas, destacando a forma de nomeação dos ministros de Cortes superiores, feitos por escolha do presidente mediante requisitos previstos na Constituição. "A Constituição prevê este desenho, mas, enfim, o fato é que não se pode negar que existe componente político do poder judiciário nas instâncias inferiores", disse.
Ainda sobre as críticas, Bretas afirmou que não há "abuso de autoridade" por parte dos investigadores da Lava Jato. "A gente quer acertar, a gente se dedica a isso, uma das coisas com que nos preocupamos é não ter nenhum tipo de benefício pessoal com as operações", disse o juiz, que indicou que evita exposições excessivas. "Você não vai me ver na capa da 'Vogue'. A gente procura se preservar para não deixar margem de crítica", disse o magistrado, que tem perfis nas redes sociais como Twitter e Instagram.
O juiz disse acreditar na "renovação" do Supremo Tribunal Federal para que haja uma atualização do que considera uma "visão da prisão". "As Cortes superiores, normalmente tem uma visão um pouco mais - tenho que ser cuidadoso com as minhas palavras - tradicional, que verifica que só se justifica prisão se a pessoa está fugindo, por exemplo, que é uma visão antiga. Hoje em dia é muito difícil o sujeito fugir, escapar. As pessoas não querem esse tipo de fuga, o que elas querem é conseguir habeas corpus", afirmou Bretas.
Bretas defende e utiliza a prisão preventiva e temporária - antes da condenação - de maneira considerada mais ampla do que a que vinha sendo adotada antes da Lava Jato. A legislação brasileira prevê os casos de prisão antes da sentença de forma excepcional. Parte das prisões do magistrado foi revertida em habeas corpus analisados no Supremo.
"Eu tenho a impressão que isso vai começar a mudar. Em pouco tempo, um, dois anos, a nossa Suprema Corte também vai ser alterada. Não estou criticando os ministros que pensam diferente, mas essa oxigenação vai fazer muito bem para o sistema judicial. Tenho a impressão que vai atualizar a visão da Justiça como um todo para esses casos de prisão", disse.
Bretas ressaltou a gravidade de crimes cometidos nos casos de corrupção no Brasil e comparou os crimes a genocídio. Segundo ele, os agentes corruptos tiram dinheiro de saúde, segurança e educação, o que atinge um número grande de pessoas. "Quando você pune um grupo indeterminado e grande de pessoas, eu poderia classificar isso como genocídio", afirmou.
O juiz, que já entrou em embates públicos com Gilmar Mendes, não escondeu que diverge de ministros dos tribunais. "Eu devo obediência a decisões proferidas no processo, mas eu não admito nenhum tipo de ataque pessoal ou proferido fora do processo, que hoje em dia é muito comum. Mas isso é um problema de educação: algumas pessoas têm mais, outras têm menos", disse o juiz.
Ao falar sobre áreas do País que devem se adaptar à realidade de investigações e baixa tolerância com crimes de colarinho branco, Bretas mencionou os escritórios de advocacia. Segundo o juiz, os escritórios "não são invioláveis" e os advogados não têm imunidade se praticarem crimes.
"Alguns advogados assumem muito mais do que a defesa dos interesses corporativos", disse Bretas, afirmando que há casos em que o advogado se torna "partícipe de um crime" junto com o cliente ao dar a "forma adequada" a contratos criminosos. "Isso não é papel de advogado. É preciso ter muito cuidado para não sair da função de aconselhamento e assumir posturas como essas com práticas de crime", disse o juiz.