Nos últimos três dias, Gabriel Pereira Dantas, 26, vagou pela região da Sé, no Centro de São Paulo, como um anônimo. Era mais um morador de rua na área que concentra a maior população de pessoas sem domicílio fixo na capital paulista. Ao final da tarde desta quinta-feira, 23, ele estava cercado por cinegrafistas e escoltado por policiais a caminho da superintendência da Polícia Federal (PF) em São Paulo. Em poucas horas, saiu do anonimato para a condição de suspeito pelo assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips.
Foi o próprio Dantas quem se apresentou para confessar participação no duplo homicídio. Ele procurou policiais na Praça de Sé e disse que queria se entregar. O crime aconteceu há quase 20 dias no Vale do Javari, no Amazonas, a mais de 5,4 mil quilômetros de São Paulo.
O suspeito foi levado ao 2º Distrito Policial, no Bom Retiro, onde a delegada titular, Maria Cecília Castro Dias, tomou o depoimento. Em sua versão, considerada verossímil pela Polícia Civil, ele passou os últimos dias em fuga. O objetivo seria chegar ao Rio de Janeiro.
Entre trechos percorridos de barco e de carona, Gabriel Dantas diz que cruzou três Estados. Ele afirma ter saído de Atalaia do Norte, no Amazonas, e viajado por Manaus (AM), Santarém (PA), Trairão (PA), Cuiabá (MT), Guarantã do Norte (MT) e Rondonópolis (MT) antes de chegar a São Paulo. Usuário de drogas, também relatou ter passado por uma casa de acolhimento para dependentes químicos no Pará. O trajeto soma mais de 8,5 mil quilômetros.
No caminho, contou com a ajuda de um caminhoneiro, que chegou a abrigá-lo e a dar R$ 150 para ele passar os seus primeiros dias na capital paulista, sem saber que o homem era suspeito de participação no assassinato de Bruno e Dom. O caminhoneiro foi interrogado pela Polícia Civil em Goiás e confirmou a versão do suspeito.
"É normal na estrada. Ele disse que não tinha dinheiro, que estava em uma situação muito difícil, que brigou com a mulher. Ele pediu uma ajuda. Esse caminhoneiro é uma pessoa religiosa, evangélico, e achou por bem ajudar. Inclusive levou até a própria casa dele em Mococa. A esposa desse caminhoneiro também acabou recebendo o Gabriel na casa dela. E depois veio a São Paulo", explica o delegado Roberto Monteiro, policial tarimbado no combate à criminalidade que comanda a Delegacia de Polícia Civil Seccional Centro da capital paulista.
Em depoimento à Polícia Civil, Dantas disse que morava em Manaus, mas se mudou para Atalaia do Norte depois de ter sido ameaçado por traficantes. Ele afirma que estava na cidade há poucos dias quando se envolveu no crime. Recém-chegado, teria se aproximado de um homem conhecido como 'Pelado' ao frequentar o Bar e Mercearia dos Amigos. Ainda não se sabe se ele se refere a Amarildo da Costa de Oliveira, o Pelado, ou Jeferson da Silva, o Pelado da Dinha. Ambos foram presos na investigação das mortes de Bruno e Dom.
No dia do crime, ele disse que estava bebendo com Pelado e recebeu o convite para sair de barco. Eles teriam encontrado a embarcação de Bruno e Dom no rio Madeira, na altura da comunidade Vila Isabel. O suspeito afirma que o jornalista e o indigenista não tinham "prática em andar rápido" e foram alcançados após uma perseguição. Dantas atribui a execução a Pelado, que segundo ele usou uma espingarda calibre 16, mas confessa ter ajudado a esconder os pertences, a ocultar os corpos e a afundar o barco das vítimas.
"É uma versão que tem fundamento", afirmou o delegado Roberto Monteiro. "Ele relata com muita riqueza de detalhes." A Polícia Federal, que apura o caso, ainda não confirmou se ele está entre os suspeitos identificados na investigação.
A Polícia Civil pediu a prisão temporária de Dantas. O pedido urgente foi enviado inicialmente ao Tribunal de Justiça de São Paulo, que está em contato com a Justiça do Amazonas. Depois de passar a tarde no 77º Distrito Policial, em Santa Cecilia, o novo suspeito foi encaminhado para superintendência da PF. Ele saiu da delegacia pela porta da frente, encapuzado e sem falar com a imprensa.