Cabral diz que Pezão ajudou a montar todo esquema de propina

3 fev 2020 - 19h41

Preso há mais de três anos, o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB) disse na tarde desta segunda-feira, ao juiz Marcelo Bretas, que o também ex-governador e correligionário Luiz Fernando Pezão o ajudou a montar todo o esquema de propina que funcionou durante seu governo (2007-2014). Pezão foi vice-governador e secretário de Obras de Cabral, a quem sucedeu no Palácio Guanabara de 2014 a 2018.

"Confirmo que o vice-governador e governador Luiz Fernando Pezão participou da estruturação dos benefícios indevidos desde o primeiro instante do nosso governo, desde a campanha eleitoral e durante os oito anos em que fui governador. E, posteriormente (governo Pezão), tenho algumas informações a respeito", afirmou Cabral na 7ª Vara Federal Criminal do Rio, onde correm os processos da Lava Jato fluminense.

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Sérgio Cabral foi preso em 2016.
Sérgio Cabral foi preso em 2016.
Foto: Rodrigo Félix / Agência de Notícias Gazeta do Povo / Estadão Conteúdo

Ele endossou o que delatou, em janeiro deste ano, o ex-operador e hoje colaborador das investigações Sérgio de Castro Oliveira, o Serjão, que disse que Pezão recebia uma mesada de R$ 150 mil durante o governo Cabral. E, ao explicar a suposta participação do ex-aliado na estruturação do esquema, alegou que a propina paga por fornecedoras em governos anteriores era ainda maior.

"Os fornecedores falavam em 10%, 15% (nos governos anteriores). Eram pagos pelas fornecedoras aos governos anteriores. Eu estabeleci junto com o Pezão um porcentual de 5%: eram 3% para o meu núcleo, 1% para o dele, que era a Secretaria de Obras, e 1% para o Tribunal de Contas para a aprovação das licitações", disse Cabral, cujas penas já somam 267 anos de prisão.

Além dos R$ 150 mil por mês, Pezão também receberia, segundo o ex-aliado, alguns bônus - que normalmente eram entregues no final do ano -, além da chamada "taxa de oxigênio", porcentual de 1% cobrado em cima de obras da Secretaria de Obras.

Outro suposto benefício indevido seriam pagamentos da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor), que pagaria um valor mensal de R$ 500 mil. Os empresários do ramo de transportes também teriam dado propina de R$ 30 milhões para a campanha dele em 2014. O próprio Cabral, mesmo já fora do cargo, recebeu R$ 8 milhões naquela eleição para ajudar candidatos a deputado de sua preferência.

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"O Pezão tinha um estilo de vida muito simples, então passava a impressão de que esses benefícios não ocorriam. Mas eu sabia que ocorriam, e até a forma como ele fazia uso desses benefícios", cutucou Cabral.

Os depoimentos ocorrem no âmbito da Operação Boca do Lobo, a mesma que levou à prisão de Pezão. Ele estava em prisão preventiva desde novembro de 2018, quando foi detido em pleno Palácio Guanabara, a pouco mais de um mês de completar o mandato.

Em dezembro, por entender que o ex-governador não representava mais uma ameaça às apurações - que era o argumento da preventiva -, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) mandou soltá-lo. Ele cumpre, agora, medidas cautelares: não pode, por exemplo, deixar o Estado ou ocupar cargos públicos. Também é obrigado a usar tornozeleira eletrônica.

Pouco antes de ser preso, Pezão disse em entrevista ao Estadão que tinha vontade de "dar um abraço" no amigo Cabral na cadeia.

Tribunal de Contas

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Perto do fim do depoimento, Cabral pediu permissão para explicar como funcionava a relação do governo com o Tribunal de Contas.

"O Rio de Janeiro tem uma característica que eu herdei. Que eu até resisti, mas que o Pezão disse que era melhor assim porque evitava qualquer tipo de problema", apontou. "Entregava-se ao TCE, o que não é hábito no governo federal, o edital de licitação. Vamos construir um prédio: entregava-se ao TCE a licitação, aí o TCE olhava e aprovava, e nessa hora já se cobrava o 'pedágio' do TCE. Esse era o mecanismo do Tribunal de Contas, que nós herdamos e mantivemos."

Em diversos momentos do interrogatório o ex-governador buscou dizer que muitas das práticas ilícitas de sua gestão foram herdadas dos ex-governadores Anthony e Rosinha Garotinho, adversários políticos de Cabral.

Pezão nega propina e critica Cabral

Ex-governador do Rio de Janeiro Luiz Fernando Pezão.
Foto: Fabio Motta/Estadão / Estadão Conteúdo

Pezão também prestou depoimento nesta segunda-feira, o primeiro do ex-governador desde sua prisão. O emedebista negou as acusações às quais responde. Antes de responder aos questionamentos do juiz Marcelo Bretas, Pezão pediu para desabafar. "Estou há 14 meses esperando para falar", explicou o ex-governador. "Fui preso sem ter direito a falar."

No monólogo inicial de Pezão, as principais críticas recaíram sobre seu ex-aliado e também ex-governador Sérgio Cabral. Irritado com o ex-aliado, Pezão criticou a mudança de versões dadas por ele em seus interrogatórios - citou, por exemplo, valores diferentes mencionados em depoimentos distintos.

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Pezão levou para a sala de audiências da 7ª Vara Federal Criminal seu passaporte, a fim de mostrar que estava na Itália num dia em que o delator Sérgio de Castro Oliveira (Serjão), ex-operador de Cabral, teria lhe dado propina em mãos no Rio. O ex-governador disse acreditar que há uma conspiração por parte de Cabral, Serjão e outros dois delatores a fim de o prejudicar.

"Acho que é uma delação combinada entre os quatro para ganhar benefício, e eu sou o único que restou aqui. Não sei qual é a mágoa, a tristeza, a frustração que eles têm", comentou.

O ex-governador também negou o recebimento da suposta mesada de R$ 150 mil. "Eu estou abismado e perplexo com a criatividade deles. Porque dizer que entregou dinheiro na minha mão no Palácio é muito fácil, eu não tenho nem como rebater."

Ex-governador desabafa sobre prisão: Aterrorizante

Uma das cenas mais simbólicas da Lava Jato do Rio, a prisão de Pezão se deu em pleno Palácio Guanabara. No depoimento a Bretas, o ex-governador fez questão de criticar o que classificou como um "quadro aterrorizante".

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"Eu fui tirado de dentro do Palácio Laranjeiras de uma maneira muito violenta. Não esperava, faltando 33 dias para acabar o governo, sofrer o que eu sofri, depois de ter vivenciado a maior crise do Estado, de ter sido o único Estado a fazer sua recuperação fiscal no País, sair daquela maneira: precisar entrar seis pessoas de fuzis, quatro mulheres com armas apontadas para mim e minha esposa. Achei uma violência muito grande", falou Pezão, com o tom de voz elevado.

A entonação dele fez com que os procuradores do Ministério Público presentes na audiência pedissem mais detalhes. Perguntaram, especificamente, sobre os "fuzis apontados para a cabeça". Pezão, então, continuou: "Achei uma violência muito grande. Cadê as joias?, Cadê o cofre?, puxando os vestidos da minha mulher, terno. Sinceramente, acho que não precisava. Fuzis apontados para tudo que é lado, para minha cabeça também. Eu estou (estava) deitado. É muito violento, acho que não precisa tirar um governador de Estado assim dessa maneira."

Questionado se tem dinheiro guardado, Pezão disse que seu único bem é um apartamento e a casa em que mora com a esposa. "Estou esperando minha aposentadoria do INSS sair há 19 meses. Esse é o dinheiro que eu vou ter", afirmou.

Após o interrogatório, Pezão falou com a imprensa na entrada do prédio da Justiça Federal, no centro do Rio. Além de reforçar sua inocência e de criticar novamente o modo como se deu sua detenção, o ex-governador disse que o período na prisão "acabou" com a vida de sua família.

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"Período muito difícil, injusto, mas graças a Deus eu tenho muita fé, muita resiliência. A prisão não é lugar para você ficar nem um dia. Eu fiquei 1 ano e 12 dias lá dentro, então eu sei o que sofri. E o pior: a gente está num momento em que os políticos estão jogados todos na mesma vala comum, a gente está acostumado. Pior é para a minha família. Acaba com a vida da família."

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