O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), determinou nesta quarta-feira, 16, a suspensão de um contrato de prestação de serviços de advocacia de R$ 9 milhões feito entre o Instituto de Assistência dos Servidores Públicos do Estado de Goiás (Ipasgo) e o escritório do presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Estado, Rafael Lara Martins. A contratação foi feita sem licitação, sem aval do Conselho de Administração do instituto e sem publicação no Portal da Transparência.
O caso foi revelado pelo portal goiano O Popular. Depois que o contrato veio à tona, o governador tomou a decisão de suspendê-lo. Em nota, Caiado disse que não sabia da existência dele e que determinou ao Conselho de Administração do Ipasgo que providencie uma nova contratação de serviços de advocacia. O instituto presta serviços de saúde a servidores públicos estaduais.
"O governador só tomou conhecimento do fato hoje pela imprensa. Ele determinou à direção do Ipasgo que o Conselho de Administração seja nomeado imediatamente para que a contratação de serviços advocatícios seja, antes, submetida à avaliação do colegiado, para que delibere, juntamente com o presidente do instituto, sobre a pertinência e o modelo de nova contratação", diz a nota divulgada por Caiado nas redes sociais.
— Ronaldo Caiado (@ronaldocaiado) August 16, 2023
O contrato que foi disponibilizado no espaço de "fornecedores" do site do Ipasgo não tem assinaturas nem data de início da vigência. A duração prevista é de 36 meses e o valor, de R$ 9 milhões, paga a prestação de "serviços jurídicos para gestão do litigioso cível, trabalhista e contencioso administrativo do Serviço Social Autônomo de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos e Militares do Estado de Goiás".
De acordo com o Instituto, o contrato foi celebrado no dia 1º de agosto. O documento diz que ele pode ser renovado, mas não especifica quantas vezes.
Menos de quatro meses antes da assinatura do contrato, em 20 de abril, o Ipasgo passou de autarquia para serviço social autônomo, com a sanção de lei proposta por Caiado. O Conselho de Administração, estabelecido na nova norma, ainda não foi criado
A nova legislação diz que instituto "deverá publicar em site próprio, no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias a partir de sua criação, o estatuto e os regulamentos de aquisição de bens, produtos e serviços e de contratação de pessoal, devidamente aprovados pelo Conselho de Administração". Além disso, estabelece que compete ao Estado de Goiás realizar aportes, como em caso de desequilíbrio entre receitas e despesas assistenciais, para manter o Programa de Apoio Social (PAS), entre outros.
O presidente do Ipasgo, Vinícius de Cecílio Luz, é o responsável pela escolha do escritório do presidente da OAB de Goiás para o serviço. Ao Estadão, ele disse que a escolha do Lara Martins Advogados se deu por "ser um dos escritórios de advocacia mais renomados do Centro-Oeste, com expertise em saúde".
Ele também falou que a decisão barateou o custo do serviço. "Em termos comparativos, enquanto o escritório custaria R$ 250 mil por mês, apenas a folha de pagamento de procuradores - custeada pelo Ipasgo Saúde - e analistas lotados na Procuradoria Setorial do Ipasgo custava, em média, R$ 494 mil por mês aos cofres do plano de saúde", afirma Luz.
Em resposta nesta quinta-feira, 17, o Ministério Público goiano afirmou que não investigará o caso, porque o contrato foi suspenso e não houve prejuízo ao erário. "Diante das recentes alterações na Lei de Improbidade Administrativa, promovidas pela Lei nº 14.230/2021, não há, a princípio, nenhuma conduta a ser investigada pelo MP no caso, tendo em vista que o contrato com o Ipasgo foi suspenso e não houve prejuízo aos cofres públicos", informou, por nota.
Agendas compartilhadas
No site da OAB de Goiás, há diversos registros que mostram Caiado e Lara Martins cumprindo agendas juntos. No dia 3 de julho, os dois estiveram na cerimônia de lançamento do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), ao lado do ministro da Justiça, Flávio Dino.
A Ordem anunciou que terá uma nova sede: o antigo prédio da Junta Comercial de Goiás (Juceg). Caiado e Lara Martins celebraram um acordo de cessão do prédio durante uma cerimônia que aconteceu no dia 24 do mês passado.
No dia 31 de julho, a OAB de Goiás anunciou o pagamento de R$ 1,2 milhão em honorários para a advocacia dativa - serviço prestado por advogados particulares a pessoas com baixa renda, na falta da Defensoria Pública. "Desde 2019, a categoria já recebeu R$ 53,5 milhões. O repasse regular e de retroativos consta em acordo celebrado pelo governador Ronaldo Caiado com a Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Goiás (OAB-GO), conforme o decreto estadual nº 10.142/22?, diz o texto divulgado no site da Ordem.
Em nota, Caiado disse que a relação com Lara Martins é "estritamente institucional". "As agendas em comum são devido a eventos e atos do Executivo ou de outros Poderes que têm alguma relação com a advocacia goiana", justificou o governador.
Escritório afirma que 'não houve faturamento'
Procurado pelo Estadão, o advogado Rafael Lara Martins negou que o contrato tenha quaisquer ilícitos. "O escritório Lara Martins Advogados refuta qualquer ilegalidade no contrato de prestação de serviços jurídicos firmado com o Ipasgo. O valor de R$ 100 por processo está consoante com o valor de mercado. A respeito de eventuais tratativas rescisórias, conforme noticiado, o escritório informa que continuará atuando nos mais de 2 mil processos sob sua responsabilidade, para que não ocorra qualquer prejuízo processual ao cliente e aos usuários do plano de saúde, enquanto não for formalizada eventual rescisão", diz a nota enviada pela assessoria do escritório.
O escritório afirma que o valor cobrado pelos processos é um padrão da banca e que a base fornecida pelo Ipasgo tem 2.515 casos em andamento. "O escritório já foi habilitado em cerca de mil processos, nos quais continuará trabalhando até formalizar a eventual rescisão a fim de que Ipasgo e usuários não tenham prejuízos processuais", diz Nycolle Soares, CEO do Lara Martins Advogados. Ela disse que "nenhum faturamento foi feito".