A Câmara dos Deputados aprovou na noite desta quarta-feira, 14, em votação relâmpago, um projeto de lei que pune discriminação contra políticos. O texto é de autoria da deputada federal Danielle Cunha (União Brasil-RJ), filha do ex-deputado Eduardo Cunha. Vista como instrumento para blindar alvos da Lava Jato, a proposta prevê pena de prisão de 2 a 4 anos de reclusão, além de multa, por exemplo, em caso de recusa de abertura de conta bancária ou concessão de empréstimos para políticos sob investigação.
O texto que tipifica essa modalidade de discriminação foi posto em votação pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), de última hora, e teve o apoio do governo Luiz Inácio Lula da Silva. O projeto recebeu 252 votos favoráveis e 163 contrários. A proposta segue agora para o Senado.
As condutas consideradas discriminatórias relacionadas ao sistema financeiro são proibidas contra as chamadas pessoas politicamente expostas (PEPs). Essa categoria engloba também autoridades que comandam órgão militares, da magistratura e de partidos partidários, além de políticos eleitos e seus parentes. A proposta foi criticada, sobretudo, por deputados do PSOL e do Novo, base e oposição a Lula, respectivamente.
Homem de confiança de Lira, o relator Cláudio Cajado (PP-BA) só entregou o relatório final, com o texto substitutivo, depois que a proposta entrou em votação por volta das 20h30. O presidente da Câmara conseguiu aprovar, em menos de 30 minutos, o requerimento de urgência, com 318 votos a favor e 118 contrários. Logo na sequência já colocou o projeto na votação do mérito da matéria, mesmo sob protesto de parlamentares.
O texto de Cajado, porém, retirou trechos da proposta de Danielle, como o artigo que aumentava a punição para o crime de injúria quando praticado contra políticos - o que era visto como uma atuação em causa própria da deputada, uma vez que seu pai foi alvo de investigação de crimes de corrupção. Lira era próximo de Cunha, que comandava o Centrão, e hoje controla esse bloco de parlamentares.
Deputados pediram para Lira adiar a votação, pelo atraso na entrega do relatório, mas ele negou a questão de ordem, sob o argumento de que o regimento permitia a análise a jato, mesmo sem o texto protocolado no sistema.
"Esse projeto assegura, sim, privilégios e dificulta investigações. Cria uma espécie de proteção a laranjas a quem pratica rachadinha. Esse projeto é de interesse de legislação em causa própria. Isso só vai fazer com que sejamos mais ofendidos nos aeroportos e para isso já há legislação. Ou vocês desconhecem que já há os crimes de calúnia, injúria e difamação?", disse o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ).
Nas redes sociais, o deputado cassada Deltan Dallagnol (Podemos-PR), que foi coordenador da Lava Jato em Curitiba, criticou a proposta. "É realmente indignante ver algo tão absurdo ser aprovado na Câmara dos Deputados! Será que em breve seremos presos por chamarmos o político pego com dinheiro na cueca de corrupto?", escreveu. Ele também publicou um vídeo sobre a iniciativa dos ex-colegas.
É realmente indignante ver algo tão absurdo ser aprovado na Câmara dos Deputados! Será que em breve seremos presos por chamarmos o político pego com dinheiro na cueca de corrupto? pic.twitter.com/5cspgoGlI5
— Deltan Dallagnol (@deltanmd) June 15, 2023
Pelo texto aprovado, passa a ser crime, além da recusa de abertura de conta bancária ou de empréstimo para políticos, qualquer negat?iva de acesso a cargo da administração pública, direta ou indireta, para pessoas politicamente expostas, exceto quando exista proibição imposta por lei.
Sem nenhuma menção a um caso concreto, defensores da proposta alegaram em discursos que até seus sobrinhos já tiveram contas negadas em bancos, pelo simples fato de serem parentes de políticos. "É inadmissível qualquer parente nosso ter sua conta sustada simplesmente porque é filho ou parente de político. Isso não é privilégio", afirmou o deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), líder do partido e cotado para suceder Lira na presidência da Câmara.
Pai da autora da proposta, Eduardo Cunha, por exemplo, já teve todo o patrimônio bancário bloqueado pela Justiça, como parte de investigações e condenações obtidas pela Operação Lava Jato. Opositores ao texto veem brecha para a prática de crimes. "Qualquer estelionatário ou réu condenado em segunda instância está sendo garantida a abertura de conta no banco, inclusive a concessão de crédito", disse o deputado Marcel Van Hatten (Novo-RS).