A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de adiar para segunda-feira o fim do julgamento do orçamento secreto provocou efeito cascata na Praça dos Três Poderes. Diante do impasse no Supremo, a Câmara segurou para terça a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que permite ao futuro governo aumentar os gastos em R$ 168 bilhões para pagar o novo Bolsa Família, e o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva suspendeu, mais uma vez, o anúncio dos ministros.
Na prática, o Congresso tenta salvar o orçamento secreto que passa pelo crivo do Supremo e resolveu travar as propostas de interesse de Lula para pressionar a Corte a manter o pagamento das emendas parlamentares. Além do adiamento da votação da PEC, o Orçamento de 2023 somente será analisado na quarta ou quinta-feira.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), convocou nova sessão do Congresso para esta sexta-feira, 16, com o objetivo de votar o projeto de resolução que estabelece critérios para enviar o dinheiro das emendas conforme o tamanho das bancadas.
Na sessão desta quinta-feira do STF, os ministros André Mendonça, Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli discordaram da presidente da Corte, Rosa Weber, que considerou ilegal a distribuição de recursos públicos, sem transparência, patrocinada pelo Congresso.
O julgamento foi suspenso quando o placar indicava cinco votos pela inconstitucionalidade do orçamento secreto e quatro por sua manutenção. Faltam votar Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.
Lewandowski pediu o adiamento para segunda, sob a justificativa de que há um projeto de resolução no Congresso propondo mudanças na distribuição dos valores das emendas. Feito às pressas para garantir a sobrevivência do orçamento secreto, o projeto também determina que metade dessa verba seja destinada à saúde, educação e assistência social e obriga a identificação dos deputados e senadores que enviam recursos a seus redutos eleitorais.
O decano do Supremo, Gilmar Mendes, disse que os colegas precisavam refletir sobre o tema antes de tomar uma decisão final, porque o assunto era determinante para a relação entre os Poderes. "Em jogo está a governabilidade", afirmou ele, ao lembrar que dois presidentes foram alvo de impeachment após perder apoio no Legislativo. Como revelou o Estadão em uma série de reportagens, o orçamento secreto virou moeda de troca para o presidente Jair Bolsonaro conseguir maioria no Congresso.
A tendência do Supremo, agora, é manter as chamadas emendas de relator, mas exigindo transparência na destinação das verbas, que devem ser vinculadas a projetos do governo federal. O Estadão apurou que, para aprovar a PEC da Transição, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), reivindica o controle dos ministérios da Saúde e do Desenvolvimento Regional, a ser desmembrado em Cidades e Integração Nacional. Além disso, quer manter a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) sob domínio do líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA).
Lula tem recusado demandas de Lira e petistas já começam a dizer que não aceitarão "chantagem". O PT anunciou apoio à reeleição do presidente da Câmara, em fevereiro de 2023, mas exige contrapartida.
Para o Ministério da Saúde, Lula não abre mão de nomear Nísia Trindade, presidente da Fiocruz. Lira, porém, pretende manter a pasta com o PP. O presidente eleito ainda não bateu o martelo sobre quem vai para Cidades, mas há uma disputa entre o ex-governador Márcio França (PSB) e o deputado eleito Guilherme Boulos (PSOL).
"Ao contrário do que tem sido divulgado, esta presidência da Câmara não faz barganha", disse Lira. Pelos seus cálculos, ainda não há votos suficientes para aprovar a PEC da Transição. Elmar Nascimento foi na mesma linha. "O governo tem uns 200 votos. Faltam 108?, afirmou.
Expoente do Centrão, Lira assumiu as articulações para preservar o orçamento secreto. Há R$ 7,8 bilhões bloqueados desse tipo de emenda e a distribuição desses valores havia sido prometida por ele na campanha para ser reconduzido ao cargo. Além disso, Lira quer garantir os R$ 19,4 bilhões reservados para o ano que vem.
Se o STF derrubar o orçamento secreto e o Centrão não conseguir encaixar a continuidade desse mecanismo na PEC da Transição, líderes do Congresso preparam a transferência dos recursos de 2023 para as emendas de comissão da Câmara e do Senado. "Não estou criticando o Supremo, mas, do ponto de vista da aprovação das matérias que estamos discutindo, esse julgamento é mais um complicador. É inoportuno", argumentou o relator-geral do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI).