'Capitã Cloroquina' diz que participou 'a convite' de evento nos EUA e omite uso de verba pública

Mayra Pinheiro (PL-CE) disse em suas redes sociais que participou de simpósio sobre eleições americanas 'a convite', mas evento foi pago com cota parlamentar; procurada, deputada não respondeu e criticou reportagem

14 jan 2025 - 09h40
(atualizado às 10h57)

A deputada federal Mayra Pinheiro (PL-CE), que ficou conhecida durante a pandemia de covid-19 como "capitã Cloroquina", fez parte de uma comitiva da Câmara que acompanhou, em novembro passado, a apuração dos votos das eleições presidenciais nos Estados Unidos. Na ocasião, a deputada publicou em suas redes sociais que estava no país "a convite" do Instituto de Estudos Políticos, que seria vinculado à Universidade George Washington. Embora fale em convite, a presença dela não foi cortesia e a parlamentar usou verba pública para pagar suas despesas.

A participação no programa montado para o acompanhamento da apuração dos votos nos EUA custou 1.740 dólares, o equivalente a R$ 10,4 mil, em cotação do início de dezembro. Deste valor, R$ 9,1 mil foram ressarcidos pela cota, que é uma verba dedicada ao financiamento de atividades diversas dos deputados federais, entre as quais "a participação do parlamentar em cursos, palestras, seminários, simpósios, congressos ou eventos congêneres", como estipula o Regimento Interno da Casa.

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Apesar da deputada ter dito que o evento estava relacionado à Universidade George Washington, o simpósio, na verdade, foi uma iniciativa de três profissionais formados na Universidade, mas sem vínculo oficial com a instituição. Procurada pelo Estadão, Mayra Pinheiro não respondeu e falou em "assédio" da reportagem. O marqueteiro David Meneses, um dos promotores do evento, alegou que as palestras foram divulgadas a "todos os congressistas brasileiros, independentemente de sua filiação partidária".

Mayra foi secretária do Ministério da Saúde durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), quando ganhou o apelido de "capitã Cloroquina" ao defender, em depoimentos à CPI da Covid do Senado, o "tratamento precoce", um coquetel de medicamentos contra a covid-19 sem eficácia comprovada.

Em 2022, candidatou-se a deputada federal e obteve 71 mil votos, não conquistando uma vaga de titular. É a segunda suplente do PL do Ceará e exerce o mandato em substituição a André Fernandes, que se licenciou para concorrer à prefeitura de Fortaleza (CE). O retorno de Fernandes à Câmara está previsto para 11 de fevereiro. O candidato do PL perdeu a disputa para Evandro Leitão (PT) no segundo turno mais acirrado entre as capitais estaduais do País.

O ingresso para o evento foi vendido a 2.900 dólares ao público geral. A cota não cobriu o valor integral da inscrição de Mayra pois, na modalidade de "participação em cursos, palestras e seminários", há um limite de R$ 9,1 mil do montante que pode ser ressarcido ao parlamentar.

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Além de mais de 80% do valor da inscrição bancada pela cota, a deputada teve passagens aéreas e diárias nos Estados Unidos bancadas pela Casa. Os custos com translado e hospedagem da "capitã cloroquina" somam R$ 12,5 mil. O ressarcimento é possível pois Mayra estava em missão oficial, assim como José Medeiros (PL-MT) e José Airton Cirilo (PT-CE).

Medeiros esteve no mesmo simpósio que Mayra, mas pagou o ingresso por conta própria. O valor de diárias e passagens pagas pela Câmara para o mato-grossense somam R$ 16,7 mil. José Cirilo, por sua vez, esteve em Nova York a convite do Comitê Internacional dos Social-Democratas da América. O custo com diárias e hospedagens do petista soma R$ 18,2 mil.

'Instituto' não é acadêmico e não está vinculado à Universidade

Apesar do nome, o "Instituto de Estudos Políticos" não é uma instituição acadêmica, tampouco está vinculado à Universidade George Washington, como disse a parlamentar em publicação no Instagram. Segundo a ex-secretária, o evento foi "criado pela The Graduate School of Political Management, da The George Washington University, com o objetivo de manter ativa a mais importante rede de atores políticos da América Latina e do mundo".

A afirmação de Mayra não procede. O evento "O Poder da Democracia" não teve vínculo algum com a Universidade George Washington afora ter sido organizado por três profissionais de marketing político que obtiveram o título de mestres na instituição. Tratam-se dos marqueteiros David Meneses, equatoriano, Israel Navarro, mexicano, e Yehonatan Abelson, argentino.

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Além de formados, os três trabalharam na Universidade. Meneses foi coordenador do programa de América Latina da instituição entre 2004 e 2011, enquanto Navarro foi coordenador de governança de 2007 a 2011. Já Abelson foi pesquisador e professor assistente entre 2008 e 2010. Meneses, Navarro, Abelson também trabalharam juntos em outros projetos e empresas.

O site do Instituto de Estudos Políticos registra parcerias com a NTN24, canal de televisão colombiano, e com o Centro Político, uma entidade de capacitação política de Miami, nos Estados Unidos. Não há menção a uma parceria com a Universidade George Washington, como alegado por Mayra Pinheiro.

"Legisladores de todos os congressos da América Latina foram convidados", afirmou David Meneses ao Estadão. "Todos os congressistas brasileiros foram convidados, independentemente de sua filiação partidária. Somos uma instituição que acolhe todas as vozes e defendemos, sobretudo, a democracia". Israel Navarro e Yehonatan Abelson foram procurados, mas não retornaram.

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