BRASÍLIA - Desde o começo de 2020, o governo federal já liberou mais de R$ 50 bilhões de reais por meio do orçamento secreto. Como o mecanismo é feito para blindar a identidade dos deputados e senadores que indicam as verbas, é impossível saber com certeza quem indicou o quê. Mas um levantamento parcial, feito a partir de informações prestadas pelo Congresso ao Supremo Tribunal Federal, mostra que um pequeno grupo de caciques do Centrão é o grande beneficiado pelo mecanismo: ao menos 17 congressistas definiram o destino de mais de R$ 100 milhões cada um.
Segundo dados enviados pelo Congresso ao STF em maio, o senador Márcio Bittar, do União Brasil do Acre, é o parlamentar que mais indicou verbas do orçamento secreto: cerca de R$ 467 milhões. Para efeito de comparação, o valor é equivalente a toda a verba de destinação livre (discricionária) empenhada pelo Ministério do Turismo em 2022 até o momento (R$ 470,5 milhões).
Em meados de outubro, Bittar disse ao Estadão que até 2021 não existia obrigação legal de identificar os responsáveis pelas indicações - e que por isso não há mais informações sobre quem indicou o quê. "Até o segundo ano (do orçamento secreto), a lei não obrigava que a emenda dissesse quem pediu. Se foi deputado, prefeito, o governador, uma bancada… Então, não havia na lei essa obrigação. Isso é que gerou toda essa desconfiança, que vocês (imprensa) batizaram esta política de orçamento secreto, quando nada é secreto", disse ele.
Os ofícios enviados aos STF só permitem saber os "padrinhos" de cerca de 24% do total já empenhado no orçamento secreto. De acordo com os dados disponíveis, depois de Bittar, aparece no ranking a senadora Eliane Nogueira, do PP do Piauí. Ela é mãe do ministro Ciro Nogueira (Casa Civil), e assumiu o mandato quando o filho se tornou ministro de Jair Bolsonaro, em julho de 2021. Como mostrou o Estadão, os Nogueiras privilegiaram cidades do interior do Piauí onde têm votos, deixando desassistidas comunidades pobres que são base eleitoral de políticos de oposição.
Na lista dos maiores beneficiados, o terceiro é o presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL), com R$ 357 milhões. Em seguida vêm os senadores Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) Eduardo Gomes (PL-TO) e Daniella Ribeiro (PSD-PB) seguidos do deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP) e do senador Marcos Rogério (PL-RR). Integrante da "tropa de choque" do governo de Jair Bolsonaro (PL) na CPI da Covid, Marcos Rogério admitiu ter apadrinhado R$ 184,1 milhões.
A cientista política Beatriz Rey diz que é normal que os governos deem prioridade a aliados na hora de distribuir verbas de emenda orçamentária - mas que uma desproporção tão grande entre um parlamentar e outro não é saudável. "E há também um problema de alocação dos recursos. Alguns lugares que não tinham tanta necessidade receberam muito dinheiro. O dinheiro não está sendo enviado para onde precisa, e sim de acordo com motivos que a gente não sabe quais são. O critério não está associado a nenhuma política pública", diz ela, que é doutora em ciência política pela Syracuse University, de Nova York.
As informações sobre os padrinhos das emendas foram enviadas atendendo a uma determinação da ministra Rosa Weber, como parte do processo em que partidos de oposição contestaram o mecanismo de distribuição de verbas. Ao todo, os parlamentares prestaram informações sobre o apadrinhamento de cerca de R$ 11 bilhões. Ou seja: é impossível saber os nomes dos responsáveis pela indicação de cerca de 75% da verba já liberada.
Além de não chegar nem perto do valor total já alocado por meio do esquema do orçamento secreto, as informações prestadas ao STF também não incluem todos os parlamentares, pois centenas de deputados e senadores não enviaram qualquer resposta - inclusive o deputado Josimar Maranhãozinho (PL-MA), investigado pela Polícia Federal por suspeita de desvio de dinheiro das emendas de relator apadrinhadas por ele.