Um documento intitulado Carta dos Oficiais Superiores da Ativa ao Comandante do Exército Brasileiro circulou nesta segunda-feira, 28, em grupos de WhatsApp de militares sem trazer nenhuma assinatura e, depois, foi postado como petição na internet, onde recebeu cerca de 600 adesões, quase todas de oficiais da reserva ou de civis. Nenhum oficial general assinou o documento e menos de uma dezena de signatários se identificou como militar da ativa - entre eles um da marinha e outro da Força Aérea.
Suspeita-se no Exército da participação de bolsonaristas na execução do documento. Ele faria parte de uma campanha de agressões contra integrantes do Alto Comando. À tarde, o Exército divulgou nota na qual afirma: "Os militares da ativa, por definição legal e por compromisso com a Nação Brasileira, são apartidários em suas condutas, preservando os valores pertinentes à carreira das Armas. São servidores do Estado, cuja coesão em torno de suas missões constitucionais é reforçada, permanentemente, pela liderança de seus Comandantes nos diversos níveis hierárquicos".
O documento faz considerações sobre compromissos dos militares com a legalidade e críticas veladas à atuação do poder Judiciário no processo eleitoral, mas evita manifestações diretas. A carta conclui afirmando que os oficiais estão "atentos a tudo que está acontecendo e que vem provocando insegurança jurídica e instabilidade política e social no país". E segue fazendo uma crítica à atuação do Poder Judiciário. "Ademais, preocupa-nos a falta de imparcialidade na narrativa dos fatos e na divulgação de dados, por parte de diversos veículos de comunicação."
O documento termina com a seguinte afirmação: "Covardia, injustiça e fraqueza são os atributos mais abominados para um Soldado. Nossa nação, aquela que entrega os maiores índices de confiança às Forças Armadas, sabe que seus militares não a abandonarão." O documento faz uma crítica velada à posição legalista da maioria dos militares da ativa, contrários a quaisquer aventuras que signifiquem um golpe de Estado contra o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.
— General Villas Boas (@Gen_VillasBoas) November 29, 2022
O Estadão procurou militares da ativa e da reserva - generais e coronéis - para saber da veracidade do documento e eles confirmaram que a carta circulou em grupos de oficiais. Ao mesmo tempo, eles repudiaram o documento como impróprio e defenderam que os possíveis signatários da ativa sejam punidos em razão da indisciplina. Todos os oficiais consultados chamaram a atenção para o fato de nenhuma liderança militar assinar a carta e que a maioria dos subescritores não ser nem mesmo militar, o que mostraria pouca relevância do documento.
Por fim, chamam a atenção para o fato de que nenhum episódio de indisciplina foi registrado desde que a frente dos quartéis foi ocupada por bolsonaristas, nem mesmo um único oficial confraternizou com os manifestantes. Um oficial foi enfático ao dizer que os militares sabem que existem atores tentando usá-los nessa "campanha orquestrada e deliberada". E disse: "Nós conhecemos o sotaque. Aqui ninguém é bobo". Ele alertou que quem tiver contas para pagar vai pagar.
Desde domingo, já havia rumores nas redes sociais e sugestões para a preparação de uma carta da ativa. Com 35 mil seguidores no Twitter, o coronel da reserva Márcio Amaro, que disse ter assinado um documento de oficiais da reserva, afirmou que o manifesto ganharia outra relevância se subscrito pelos militares em atividade. "Vocês ficaram sabendo da carta antes. Se houver carta dos oficiais da Ativa, a coisa muda de figura. Quem pode precionar (sic) ? O povo! Não haverá liderança externa. O povo nas ruas é a única força capaz de evitar a vergonha de sermos governados por ladrões", afirmou o coronel do Exército que também reclamava do tour do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) no Catar para a Copa do Mundo.
Horas depois da publicação de Amaro, a carta de "oficiais da ativa" apareceu em redes sociais e grupos de WhatsApp. Amaro não tem curso de Estado-Maior. Ele já gravou lives com o comentarista de direita Paulo Figueiredo Filho, uma das referências do bolsonarismo, e já defendeu manifestações políticas de integrantes da ativa, desde que não fardados, como no caso do general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, não punido pelo Comando da Força Terrestre. "Obrigado aos amigos que compartilham seus legítimos e heroicos esforços diante dos quartéis. Vocês renovam a fé de qualquer soldado. Saibam que muitos estão vendo seus esforços. Tenhamos fé", publicou Amaro, que também dizia não ter indicativo de ações concretas para reverter a eleição de Lula.