A investigação sobre os funcionários do hoje senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) ameaça arrastar os gabinetes dos demais integrantes da família para a crise aberta a partir da revelação de transações financeiras atípicas envolvendo o policial militar da reserva Fabrício Queiroz - homem de confiança do filho mais velho do presidente -, feita há seis meses pelo Estado.
Um emaranhado de nomeações para cargos comissionados feitas ao longo dos últimos anos faz com que sete funcionários investigados tenham passado por mais de um gabinete dos Bolsonaro durante o período abrangido pela quebra de sigilo bancário e fiscal das 86 pessoas e nove empresas ligadas ao atual senador pelo Rio, de 2007 a 2018. O Estado também publica hoje, 9, no portal estadão.com.br reportagem multimídia detalhando os seis meses do caso Queiroz.
Entre os alvos do Ministério Público do Rio, há 69 funcionários do antigo gabinete de Flávio na Alerj, todos suspeitos de participar do esquema conhecido como "rachadinha", quando o assessor devolve parte ou a totalidade do salário ao político que o contrata. Ao todo, 12 já trabalharam antes ou depois do período abrangido pela quebra do sigilo com outros integrantes da família Bolsonaro, incluindo o presidente, que teve em seu gabinete dez dos investigados, sendo cinco no período abarcado pela medida judicial. Já o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) teve dois ex-assessores em comum com o irmão.
Entre os servidores com sigilo quebrado, estão nove parentes da segunda mulher de Jair Bolsonaro, Ana Cristina Valle, e seis pessoas ligadas a Queiroz, além dele mesmo. Pivô do escândalo, o PM foi funcionário do gabinete de Flávio e ainda nomeou duas filhas, a enteada, a esposa, o ex-marido dela e um sobrinho da mulher. Uma delas, a filha Nathalia Queiroz, também já foi empregada por Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados. Segundo o Ministério Público, ela trabalhava como personal trainer e estudava a 38 km da Alerj enquanto estava lotada no gabinete de Flávio.
Familiares de um dos milicianos mais conhecidos do Rio, o capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, também estão na lista dos investigados. Apontado pelo MP como chefe do grupo conhecido como Escritório do Crime, Adriano teve a mãe e a ex-mulher nomeadas para o gabinete de Flávio. O senador mantém em seu gabinete no Senado cinco dos 69 investigados.
Sem crachá
Além das movimentações bancárias e do sigilo fiscal dos acusados, o MP também apura se os assessores de fato trabalhavam no gabinete. Há a suspeita de que alguns nem apareciam para trabalhar. Para tanto, o MP pediu os registros de entrada e saída no País dos investigados e a lista de presença deles em instituições de ensino para mostrar que estavam fora ou em outro lugar para confirmar as ausências do trabalho. A Promotoria também apura os registros de entrada e a ausência de crachás para os funcionários como indícios de que eles não exerciam as funções para as quais eram pagos.
O Estado mostrou que dois assessores sob investigação no caso - Márcio da Silva Gerbatim e Claudionor Gerbatim de Lima -, ligados a Queiroz, também foram empregados no gabinete de Carlos sem que tivessem crachá funcional ou pisado na Câmara, de acordo com os registros da Casa. Procurada, a assessoria do vereador disse que não tem nada a declarar.
Outro lado
O advogado Paulo Klein, que defende o policial militar da reserva Fabrício Queiroz, afirmou em entrevista ao Estado que o Ministério Público do Rio não tem nem sequer indícios de que o ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) tenha praticado crimes dentro do antigo gabinete dele na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).
"Se o Ministério Público tem indício, bastaria fazer a denúncia. Se ele não tem indício, ele não tem nada. Depois de mais de um ano de investigação, ele não tem nada", afirmou Klein, que atacou a quebra de sigilo bancário e fiscal de Queiroz, Flávio e outras 84 pessoas e nove empresas decretada no fim de abril pela Justiça do Rio. "Esse pedido de quebra é muito mais para fazer uma prospecção, o que é vedado pela lei. É mais uma ilegalidade", completou.
Klein assumiu a defesa de Queiroz no dia 18 de dezembro, menos de duas semanas após o Estado revelar que o nome de Queiroz era citado em relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) com uma movimentação bancária de R$ 1,2 milhão considerada atípica por causa do volume de saques e depósitos em espécie envolvendo outros assessores de Flávio.
Com a experiência de já ter defendido outros casos controversos, como o do ex-procurador Marcelo Miller na delação da JBS e o do doleiro Dario Messer, um dos operadores da Lava Jato, Klein optou por blindar seu cliente, que passou por uma cirurgia para retirar um tumor do intestino no início do ano e faltou aos quatro depoimentos marcados, enquanto a investigação do caso Queiroz avança sobre outros gabinetes da família Bolsonaro.
Para Klein, Queiroz não cometeu nenhum crime ao coletar parte do salário dos colegas de gabinete para contratar assessores externos informais para melhorar o desempenho eleitoral de Flávio, como sustenta a defesa na única manifestação feita ao MP, por escrito. Apesar disso, nunca revelou quem eram e quanto recebiam esses funcionários por "estratégia técnica da defesa".
Klein disse que houve um "afastamento natural" entre Queiroz e Flávio por conta do escândalo e do tratamento contra o câncer, mas que o policial militar da reserva não se sente abandonado pelo ex-patrão. Disse que o ex-assessor ainda está em São Paulo se recuperando com a ajuda das filhas e da mulher, também ex-assessoras de Flávio, e que não pode revelar o estado de saúde dele.
O advogado afirmou ainda que o volume de dinheiro movimentado por Queiroz é compatível com os rendimentos dele e da família e que as acusações feitas pelos promotores de que ele operava uma "organização criminosa" dentro do gabinete de Flávio para desviar dinheiro da Alerj "são afirmações para causar impacto na mídia" e "não têm o mínimo de fundamento".
"Isso (escândalo) só pode ser explicado porque ele estava vinculado à família do presidente, que tinha acabado de ganhar a eleição sob a bandeira do combate à corrupção. Isso ganhou contorno de escândalo, mas, se olhar com lupa, não tem escândalo nenhum." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.