A paz tá mais fácil em Brasília do que no Brasil

Lula segue fechando acordos com partidos, mas país ainda está machucado

8 nov 2022 - 18h18

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva fechou hoje o apoio do PSD a seu governo. O partido terá a segunda maior bancada do Senado e a quinta da Câmara a partir de janeiro. É dos grandões. O presidente do União Brasil (UB), Luciano Bivar, já deu a letra: seu partido, que elegeu Sergio Moro ao Senado, não fará “oposição de jeito nenhum” ao petista. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), está em franca e republicana articulação com o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), para facilitar a transição. E o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), que escrevia “tic-tac” no Twitter para dizer que estava na hora da derrota de Lula, vai coordenar, por parte de Jair Bolsonaro (PL), a transição para o próximo mandato. No ano que vem, ele retorna ao Senado e dificilmente fará oposição sistemática ao governo.

Enfim, o cenário catastrófico dos que previam que, se eleito, Lula não teria condições de governar, não vai se concretizar. Os petistas já negociam acordos com a ala renitente do MDB e nem mesmo o Republicanos, que elegeu Tarcísio de Freitas em São Paulo, está garantido na oposição. Por fim, com a maior bancada no Senado e na Câmara, o PL, partido de Jair Bolsonaro, presidido por Valdemar da Costa Neto, se declarou na oposição. Mas o governo ainda nem começou e Valdemar, enfim, é Valdemar.

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Nenhum desses movimentos dos partidos do Centrão e das grandes legendas do Congresso é ilegal, ilegítimo ou estava fora do script. A política é assim, uma malha tecida dia a dia e não só no período eleitoral. A eleição na qual todos votamos, aliás, é apenas uma parte da vida dos políticos. Há a eleição para a Presidência do Senado e da Câmara, a composição das mesas e das comissões e outro número ímpar de interesses que estão em jogo o tempo todo. Cargos, verbas, emendas, eleições municipais de 2024. 

O que tudo isso indica? Que o mandato de Lula, em 2023, deve começar com certo nível de paz com o Congresso Nacional, a despeito do crescimento da extrema-direita e da radicalização dos palanques eleitorais. Tudo dentro dos ritos democráticos, sem golpes ou grandes sobressaltos.

 Lula segue fechando acordos com partidos, mas país ainda está machucado
Lula segue fechando acordos com partidos, mas país ainda está machucado
Foto: Poder360

Trancado no Palácio do Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro sabe disso. Está deixando correr soltos esses protestos em portas de quartéis e em rodovias porque, no fim das contas, é o que sobrou da sua base de apoio para qualquer arroubo de inspiração golpista. Mesmo líderes religiosos já tiraram o pé do acelerador de fake news e rancores contra o PT e Lula. Tudo caminha, no mundo político, para o Brasil da concertação. A não ser, é claro, que o Ministério da Defesa embarque mesmo na ideia de confrontar e contestar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com o relatório das urnas eletrônicas a ser lançado amanhã.

Essa paz, no entanto, está longe de alimentar os bolsões mais radicais do bolsonarismo, onde manifestantes insistem em não se conformar com o resultado das eleições. Ali, viceja o pior do fanatismo político e da insanidade de quem fala em “intervenção militar constitucional”, “golpe democrático” e quetais. Tem-se de ver quanta energia esses grupos ainda têm para queimar. Com seu líder maior em silêncio e a realidade batendo à porta com contas para pagar e filhos para educar, talvez esses dias estejam contados. São grupos que abusaram do direito de reclamar, do chamado “jus sperniandi”, o direito de espernear.

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São manifestações que já deixaram as páginas dos jornais e figuram pouco nas reportagens de TV. Sobrevivem nas redes sociais, alimentadas por certas figuras públicas que querem usar esses grupos como bucha de canhão ou boi de piranha. E alimentadas também pela conivência de parte de empresários, instituições e forças policiais afeiçoadas a ideias golpistas.

Mas, mesmo que voltem logo para casa, esses manifestantes são apenas um lembrete de que a paz ficou longe dos brasileiros na pós-eleição. Lula herdará um país cindido, radicalizado, partido ao meio, com o ressentimento transbordando. A violência política, a agressividade, a falta de empatia e o desrespeito entraram mesmo no cardápio do Brasil. E vai ser difícil para todos colocar esses monstros de volta nos armários.

Fonte: Tatiana Farah Tatiana Farah é jornalista de política há mais de 20 anos. É repórter da Agência Brasília Alta Frequência. Foi gerente de comunicação da Abraji, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. Repórter do BuzzFeed News no Brasil de 2016 a 2020.  Responsável por levar os segredos do Wikileaks para O Globo, onde trabalhou por 11 anos. Passou pela Veja, Folha de S. Paulo e outras redações, além de assessorias de imprensa. As opiniões da colunista não representam a visão do Terra. 
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