“Respeita a dor das pessoas! Tem de respeitar!”, gritava indignado um homem na praia de Copacabana, recolocando na areia as cruzes que simbolizavam os mortos pela Covid-19. Elas tinham sido arrancadas por um senhor bolsonarista revoltado com a manifestação que pedia providências contra a pandemia.
Era 11 de junho de 2020. Havia 40 mil mortos por Covid-19. E o homem que recolocou as cruzes nas covas abertas em Copacabana entendia muito bem aquela “dor das pessoas”. Havia perdido o filho Hugo, de 25 anos, para a doença, dois meses antes.
Márcio Antônio Silva foi chamado, em outubro passado, para contar sobre sua dor na CPI da Covid, no Senado. Já fazia mais de um ano que Hugo havia morrido, mas a dor e a indignação de Márcio não tinham passado.
Quem já perdeu um filho ou alguém a quem amava muito sabe que a perda é uma dor que não se acaba. Corrói os sonhos e a esperança. “O sentimento que eu fico não é só pela dor da morte, é por tudo que vem depois. Cada deboche, cada sorriso, cada ironia”, disse Márcio aos senadores.
O deboche, para ele, vinha da boca do próprio presidente da República, que, questionado pela imprensa sobre o ritmo crescente de mortes, disse: “E daí?”. Fazia três dias que Hugo tinha morrido. “Ouvir aquela fatídica frase, ‘e daí?’, eu escutei lá no meu coração: ‘e daí que seu filho morreu?’ Isso me gerou muita raiva, muito ódio. Isso me fez muito mal.”
Ontem, Márcio Antônio Silva morreu. Tinha 58 anos. Não recebeu as desculpas que esperava e merecia. Morreu do coração, aquele coração em que ele pôs a mão, diversas vezes, durante o depoimento na CPI. Morreu dois dias depois de ver o Rio de Janeiro eleger com 205 mil votos o ex-ministro da Saúde General Pazuello.
Quando Hugo morreu, em abril de 2020, eram 10 mil mortos. Ontem, eram 686 mil. Não tem como esquecer. Mas esquecemos.