Depois de quase 48 horas em silêncio, o presidente Jair Bolsonaro (PL) falou. E não surpreendeu: colocou-se mais uma vez como uma vítima do sistema, agradeceu os votos dos 58 milhões de eleitores, enalteceu o desempenho da direita nas urnas (aquelas que ele contesta quando lhe convém).
Ele não pediu que os bloqueios nas rodovias sejam cancelados, mas afirmou que a sua direita não pode fazer como a esquerda alheia, que, segundo ele, promove sofrimento para a população interrompendo o ir e vir dos brasileiros.
O fato é que nem o mais otimista dos brasileiros esperaria algo mais do presidente derrotado. O reconhecimento do resultado das urnas e o sinal de que ele não vai emperrar a transição foram dados fora do discurso oficial, que durou poucos minutos.
Começou com a brincadeira feita ao pé do ouvido de seu ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI). Bolsonaro olhou para a imprensa, que esperava no saguão por mais de uma hora, riu e falou: "vão sentir saudade da gente".
O presidente poderia ter feito uma fala desestimulando os manifestantes que pedem golpe, seja ele por intervenção militar ou pela realização de novas eleições, já que as de domingo foram legítimas. Mas, para um presidente que já perdeu apoio das instituições e viu ministros e governadores aliados admitindo a derrota, restou esse movimento de apoio golpista nas rodovias, um movimento, aliás, que já gerou repúdio de aliados de Bolsonaro, como a Confederação da Indústria e Comércio (CNI).
Vivendo em uma bolha distante do mundo real, deve ser duro demais para Bolsonaro se dar conta de que o país, ainda que em ligeira maioria, o rejeitou. O problema de viver cercado de fãs e fanáticos é perder completamente o pé da realidade. Resta a ele acreditar que foi injustiçado e que deixará saudade.