O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sabe que o discurso “nós contra eles”, que marcou seus mandatos e suas campanhas desde os anos 90, não funciona muito no Brasil pós-Bolsonaro. Como nenhum outro adversário, Jair Bolsonaro (PL) conseguiu dialogar com as classes mais pobres da sociedade. Como têm revelado recentes levantamentos jornalísticos, muito disso se deve às torneiras abertas do Auxílio Brasil, que inundaram os beneficiários, sobretudo na reta final da eleição.
Mas não se pode tirar de Bolsonaro sua habilidade de falar com os mais pobres e de fazer com que seu jeito truculento soasse como uma sinceridade descomunal na política. Embora não tenha colado no Nordeste, o discurso de que ele foi o presidente da transposição do São Francisco alimentou milhares - se não milhões - de seus simpatizantes.
Por força da realidade, o primeiro grande ato de Lula foi um sinal claro de que seu governo terá com a população indígena uma relação distinta da de seu adversário, cujo governo é acusado de deixar à míngua e à morte a população Yanomami em Roraima. Ao bloquear o espaço aéreo da reserva indígena, colocar os garimpeiros para correr e sair atrás de quem financia e se beneficia do garimpo ilegal em terras demarcadas, o governo emite um sinal claro para o país e para o mundo.
Mas isso foi na semana passada e o presidente sabe que o gesto é bem-vindo, mas não resolve o “arroz com feijão” dos mais pobres. Por isso, esta semana, deu a largada para falar com esses eleitores. A tão sonhada picanha, com os juros altos, o desemprego e a inflação, não passam por enquanto de uma mera figura de linguagem. Mas o governo está dando seus pulos para restabelecer a conexão com a base da pirâmide econômica.
Na segunda-feira, 13, liberou o Vale Gás com 100% do valor. A lei de Bolsonaro previa o custeio de 50% do botijão. O petista dobrou o valor e o dinheiro começou a ser liberado esta semana. Ontem, terça-feira, 14, ele relançou o Minha Casa Minha Vida, ampliando o atendimento para famílias que ganham até R$ 8 mil mensais. O lançamento teve um significado importante para os nordestinos: o presidente entregou as chaves de apartamentos de uma obra que estava parada desde 2016 em Santo Amaro, na Bahia. Mais que retornar o programa de habitação ao seu nome original, o gesto mostrou que o Casa Verde e Amarela que o substituiu no Governo Bolsonaro foi um fiasco. A previsão, nas contas sempre otimistas de governo, é gerar um milhão de empregos no setor da construção civil com a construção de 2 milhões de moradias até 2026. O déficit habitacional, segundo dados do próprio governo, era de 5,9 milhões de unidades em 2019. Bolsonaro disse ter construído 1,1 milhão delas com o Casa Verde e Amarela.
Depende do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, duas outras iniciativas: as mudanças no Imposto de Renda para beneficiar os mais pobres e o aumento do salário mínimo, prometido para 1º de Maio, dia do Trabalho. O mínimo será de R$ 1.320, um aumento de R$ 18 (1,4%) em relação ao salário mínimo anunciado nos estertores do governo Bolsonaro.