O discurso do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de legalizar o garimpo em terras indígenas provocou uma corrida do ouro semelhante a de Serra Pelada, nos anos 80. A invasão de garimpeiros na Terra Indígena (TI) Yanomani, em Roraima, saltou de 363 hectares, em 2018, para 1.556 hectares em 2021. Os dados foram obtidos pelo Terra junto ao MAPBiomas, que faz o monitoramento ambiental do país. A estimativa do governo é que 25 mil garimpeiros já adentraram a terra Yanomami em busca de ouro.
O projeto de lei do governo Bolsonaro para legalizar o garimpo tramitou desde 2020 e foi barrado no Congresso, no ano passado, mas seu discurso a favor dos garimpeiros e contra os indígenas é mais antigo. Gravações mostram o ex-presidente prometendo que nenhum hectare de floresta seria demarcado caso fosse presidente. E, sobre a região, em 2019, ele declarou que havia “três trilhões de reais embaixo da terra”.
No território Raposa Serra do Sol, também em Roraima, em outubro de 2021, Bolsonaro chegou a visitar um garimpo ilegal. Dados levantados pela agência Fiquem Sabendo, com base na Lei de Acesso à Informação, e divulgados pelo Metrópoles apontam que, nessa visita, Bolsonaro gastou R$ 163 mil do cartão corporativo. “Se vocês quiserem plantar, vão plantar. Se quiserem garimpar, vão garimpar”, sinalizou o então presidente.
Enquanto o garimpo avançava, no ano passado, os órgãos públicos, como a Funai, negaram que houvesse uma crise humanitária entre os yanomamis. Dezenas de crianças mortas e os 60 apelos dos próprios indígenas não sensibilizaram o governo. Hoje, a verdade estampada nas fotos de jornais também não sensibiliza os seguidores mais aguerridos do bolsonarismo. A ponto de difundirem fake news sobre os yanomamis doentes serem indígenas venezuelanos fugidos do governo Maduro.
A realidade é dura e difícil mesmo de aceitar. Deixar um povo morrer à míngua e incentivar o garimpo criminoso em suas terras reforça a tese de genocídio, agora investigada pela Polícia Federal. Encravada no coração da floresta, a agência Amazônia Real fez uma ampla investigação sobre os efeitos do descaso e da invasão do garimpo nos últimos anos.
As denúncias sobre os efeitos nocivos desta quarta corrida do ouro sofrida pelos yanomamis estavam por toda parte, mas o governo Bolsonaro não quis ver. Mas, ao contrário, informações levantadas pelas agências De Olho nos Ruralistas e Pública revelam que líderes de garimpeiros que atuam ilegalmente na Terra Indígena Yanomami foram recebidos pelo então vice-presidente Hamilton Mourão, o ex-ministro Ricardo Salles e outros do alto escalão bolsonarista.
Segundo os dados apurados pelo MapBiomas, nas décadas de 90 e 2000, o garimpo ilegal praticamente foi eliminado da TI Yanomami. Em 2016, o garimpo salta de 3 para 20 hectares de terra. Ainda no governo Temer, mas já na campanha eleitoral de 2018, o avanço é de 103 para 363 hectares. O ano de 2021 foi encerrado com 1.556 hectares tomados pelos garimpeiros. Os números de 2022, quando Bolsonaro publicou um decreto autorizando garimpo em terras indígenas, ainda não foram compilados pelo MAPBiomas. O decreto foi revogado este mês pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“O garimpo cresceu na Amazônia inteira e levou à crise humanitária dos Yanomamis. A imagem de um governo antiambiental deu condições de segurança para as pessoas se estabelecerem nesse tipo de atividade ilegal. As denúncias nunca tiveram resposta do governo que, pelo contrário, sempre incentivou o garimpo. Soma-se a isso a crise econômica que influencia as pessoas a se lançarem nessa febre pelo ouro, esse sonho de riqueza”, afirmou Ane Alencar, diretora de Ciência do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e membro do MAPBiomas.
A pesquisadora afirmou ainda que o grande movimento de garimpeiros impediu o acesso de agentes humanitários às aldeias dos yanomamis. O trânsito pelos rios tornou-se mais difícil e perigoso, muitas vezes controlado pelos invasores, isolando a etnia indígena.
"Quando sadios, sem poluição nos rios, os yanomamis sabem viver da floresta, mas acuados como estão, doentes, não. É terrível uma disrupção desse tamanho. Não só no ambiente em que eles vivem, mas na questão social e cultural, isso impacta muito na sobrevivência deles", afirmou Ane Alencar.
Depois da visita ao território Yanomami, o presidente Lula, que já havia revogado o decreto do garimpo de Bolsonaro, demitiu chefes de governo de áreas indígenas e promoveu o atendimento imediato dos doentes e desnutridos.
Mas não é suficiente. A região carece de um combate efetivo ao garimpo ilegal, da realocação desses garimpeiros, e da criminalização da atividade. Apenas criticar Bolsonaro e derrubar seu decreto não vai fazer com que o garimpo recue.