Sabe aquela frase “tal coisa, até quando é ruim, é boa”? Pois a democracia é boa até quando a gente a chama de “democracinha”. Já disse o inglês Winston Churchill, lá no século passado, que a democracia é um regime terrível, mas que não existia nada melhor do que ela. Hoje, neste 11 de agosto, intelectuais, artistas, juristas, políticos, movimentos sociais e sindicais, empresários e gente como a gente se reuniram de manhã no Largo São Francisco, a principal universidade de Direito do país, para defender a nossa democracia. À tarde, também em São Paulo, houve outra manifestação no MASP.
A democracia está longe de ser perfeita no Brasil. Que o digam os pretos e pobres, alvos frequentes da violência do Estado e das falhas da Justiça. Que o digam a população LGBTQIA+, as mulheres, os indígenas. E que o digam as chefes e os chefes de família que não têm conseguido colocar comida na mesa e garantir a dignidade consagrada pela Constituição para seus filhos. Mas agora o buraco é mais embaixo. Além de todas essas deficiências, a democracia está encolhendo.
Um dia antes da leitura da Carta, durante uma entrevista, um político me disse que não iria à manifestação e nem tinha assinado a Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito porque, lá em 1988, já havia assinado a carta da Constituição. É um jeito de negar a ameaça real que vivemos hoje quando se colocam em xeque o sistema eleitoral e a validade das urnas eletrônicas e lançam mão de um arsenal de desinformação. É um risco grande quando, embora digam que estão jogando “dentro das quatro linhas da Constituição”, governam com medidas provisórias, aprovam PECs (Propostas de Emenda Constitucional) a rodo, atacam o sistema de Justiça e as instituições e abrem um “pacote de bondades” para tentar ganhar o Congresso e os eleitores.
A Carta de 2022 foi articulada por alunos e ex-alunos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da USP, e passou de 950 mil assinaturas. Se você pensar, é muito pouco para um país de 214 milhões de pessoas. Reúne nomes importantes do cenário político, cultural e econômico, mas está longe de chegar na casa e no coração da maioria das pessoas.
Talvez porque, para milhões de brasileiros, a democracia seja apenas uma palavra. Muito diferente de fome, desemprego e contas para pagar.
Mas, ainda assim, é preciso defender a democracia com a mesma força e paixão que temos de defender os direitos conquistados e a conquistar.
A democracia é um processo. Está em construção. E nós, todos nós, somos parte dela. Vamos fazer valer esse nosso papel.
Não à toa, escolhemos este 11 de Agosto para estrear esta coluna. Como disse certa vez o jornalista Clóvis Rossi, que aqui homenageio humildemente, quando de um lado está a civilização e do outro a barbárie, não há o que discutir. Ficamos com a civilização.