Trezentos quilômetros separaram neste 1º de Maio os mundos de Lula e Jair Bolsonaro.
Cercado por milhares de trabalhadores, o presidente discursava no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, prometendo olhar para os trabalhadores de aplicativos, geralmente motoristas e entregadores, e carregando as tintas contra os juros altos impostos pelo Banco Central. O evento foi convocado pelas centrais sindicais para marcar o Dia do Trabalho. Em pauta: salário, lei trabalhista, desemprego.
Enquanto isso, de braços dados com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, Bolsonaro subiu em uma máquina agrícola para ouvir os brados dos ruralistas, em Ribeirão Preto, no interior do Estado. "Mito! Mito! Mito!", gritavam os bolsonaristas reunidos na maior feira de agronegócio do país, a Agrishow.
O ex-presidente, que ainda não se conformou com a derrota, chama Lula de "cidadão que está no Palácio". Em discurso extraoficial, já que a abertura da feira foi cancelada, Bolsonaro fez questão de atacar uma das principais medidas do governo petista da última semana: a demarcação de seis territórios indígenas.
"Vocês devem saber que há 400 pedidos de demarcações de terras indígenas e pelo menos 3.500 de quilombolas. E aquele cara disse que faria o possível para atender os anseios das comunidades. Se 10% forem atendidos, para onde irá nosso agro? Peço a Deus para isso não acontecer", falou Bolsonaro em Ribeirão Preto.
"A gente não pode viver mais num país onde a taxa de juros não controla a inflação. Ela controla, na verdade, o desemprego nesse país, porque ela é a responsável por uma parte da situação em que vivemos hoje", disse Lula no Anhangabaú.
O discurso bolsonarista não traz nada de novo em sua estratégia de eleger grandes inimigos para arrebatar seus aliados. Na questão indígena, com essa fala, Jair Bolsonaro mostra por que deixou que os Yanomamis vivessem _ e morressem _ em petição de miséria. Os indígenas e os quilombolas, os povos originários, são entraves, segundo ele, para o agronegócio. Ele pensa o mesmo da mineração e, por isso, liberou que os garimpeiros ocupassem terras indígenas. Deu no que deu.
É curioso ver que uma feira de alta tecnologia agrícola ainda vive no puro suco do atraso político. A falta de preocupação com os indígenas e com o meio ambiente tem impedido que o agronegócio brasileiro deslanche no mercado mundial. Eles sabem disso.
O mundo mudou e as boas práticas e os valores das empresas têm sido cobrados o tempo todo por governos, parceiros e consumidores. A Agrishow não se trata de uma dúzia dúzia de latifundários, sentados em suas varandas, com suas espingardas. É um evento que movimentou, no ano passado, R$ 11,3 bilhões em negócios.
Segundo Bolsonaro, é um mercado que anda sozinha se o político "não atrapalhar". Um discurso atrasado e nenhuma menção aos milhões de trabalhadores que colocam essa engrenagem bilionária para funcionar, em pleno Dia do Trabalho, é o que mostra como o país está cingido.
Pode-se gritar "mito" à vontade. A realidade não vai mudar. Não adianta chamar Lula de "aquele cara", "ex-presidiário" ou "cidadão que está no Palácio". Aliás, essa última expressão dá uma conotação de que o presidente usurpou o poder. Não é o caso. Foi eleito pela maioria, mesmo diante de manobras que têm sido reveladas para que seus eleitores fossem impedidos de votar.
Pode ser bilionário, mas o agronegócio depende do governo. A Agrishow fez mal em desconvidar o ministro da Agricultura, que fez bem em não prestigiar o evento. Aliás, pelo clima de hoje, ele seria vaiado. Sorte dele não ter ido.