Durante a campanha eleitoral, Fernando Haddad estava em um jantar com empresários quando um deles perguntou se o petista era mesmo defensor das ideias de Gramsci, o pensador italiano comunista. Haddad perguntou: "De quais ideias você está falando, sobre qual obra dele?" O empresário não soube responder. Ele apenas reverberava o discurso bolsonarista de que Gramsci representa tudo o que o clã Bolsonaro abomina, misturado com um certo "globalismo" e o ataque à família convencional. Ninguém dessa turma estudou Gramsci, mas fala o nome do italiano como um palavrão.
Não é o caso de Haddad. Meses antes, ele havia lançado o livro "O Terceiro Excluído", em que questiona a teoria do "terceiro excluído", de que uma proposição, se não for verdadeira, é falsa. No obra, ele propõe mudar o termo evoluir para "revoluir" e coloca em discussão os preceitos da antropologia e do materialismo dialético. É um papo-cabeça, citado aqui apenas para lembrar que Haddad, o novo ministro da Fazenda, é um estudioso de Karl Marx, um especialista em socialismo e um cientista que vê o famigerado Marx dos bolsonaristas não como um Deus, mas como outro cientista.
No questionamento arrogante feito ao empresário, no meio de um encontro em que estava ali para fazer amizade, Haddad mostrou que, no combo de seu gabarito teórico, vem uma falta de traquejo social que lembra muito a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), defenestrada do governo exatamente por não ter jogado o jogo político necessário a esses altos cargos.
É importante destacar que a nomeação de Haddad talvez seja a aposta mais alta que o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, faça em seu próprio partido desde seu primeiro governo, em 2003. É o nome mais associado a Marx e ao socialismo de todos os seus ministros da Fazenda. E é exatamente a figura que o mercado financeiro rejeitou desde o princípio, assim como setores da política nacional (especialmente por sua falta de habilidade política).
Haddad é um dos pensadores dos fundamentos econômicos petistas, mas está longe de ser uma unanimidade em seu próprio partido. Quem acompanha o PT sabe que isso não é problema pois o petismo vive de suas contradições e sobrevive desde o nascimento a ferrenhos embates internos de suas correntes ideológicas.
Como prefeito de São Paulo, Haddad deixou muito a desejar. Mas não deixou contas para trás. Levou a sério a Lei de Responsabilidade Fiscal. Quando foi chefe de gabinete das Finanças do governo Marta Suplicy em São Paulo também era reconhecido por guardar a chave do cofre num formigueiro. Era difícil acessá-lo. Como ministro da Educação de Lula, colecionou grandes projetos de inclusão e criou universidades públicas em todo o país. Saiu do governo sem manchas.
Agora, é saber se o novo ministro terá como colocar freio nas despesas que virão ao pegar um Estado cheio de problemas e uma crise político-econômica.