“Costumam dizer que quem conta a História de uma nação são os vencedores. Os perdedores não têm o direito de escrever. Neste caso, eu queria dizer para vocês, os perdedores vão ter o direito de escrever e vão ter o direito de participar deste processo de transição e desta governança.”
O gesto de pacificação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) marcou seu discurso na manhã desta quinta-feira, 10, em Brasília. Lula falou aos parlamentares do Congresso Nacional, que lotaram o auditório do CCBB, sede da transição. Foi um sinal claro de abertura aos partidos do Centrão. É um recado também aos governadores bolsonaristas. Teve até palavras doces para os que estão nas manifestações golpistas. “Se vocês estiverem ouvindo pela internet, voltem para casa. Não sejam violentos, vamos respeitar quem é diferente da gente. A democracia é isso”, disse ele, afirmando que também já chorou muito quando perdeu eleições.
Na quarta-feira, 9, Lula já tinha dado mostras do que pretende em seu governo. Encontrou-se amigavelmente com os presidentes do Senado e da Câmara e, numa foto histórica, sentou-se à mesa com quase todos os ministros do Supremo Tribunal Federal. São os ministros que o libertaram, mas também são os ministros que o deixaram preso por 580 dias e, ainda com os protestos da defesa de Lula, permitiram o avanço voraz da Lava Jato sobre o petista. “Eu não tive de provar a minha inocência. Eu tive de provar a culpa deles, do Sergio Moro e do Deltan Dallagnol”, falou o eleito, afirmando que não guarda mágoa.
No discurso em que foi às lágrimas, Lula disse que seu governo será o do diálogo. Mas deixou claro que não se submeterá _ ao menos em tese _ aos anseios do mercado, que hoje já o pressionam para a indicação do ministro da Economia e se ressente de suas afirmações de que o teto de gastos não pode limitar as despesas com o desenvolvimento social. Lula está montando um gabinete de transição bastante amplo, mas seu discurso mostra que ele tem lado. A ver, é claro, se todas essas promessas caberão no Palácio do Alvorada a partir de janeiro.
Nesse encontro com os parlamentares, o petista delimitou que estará com ele quem estiver ao lado da democracia e da institucionalidade, independentemente do que tenha desejado na eleição passada. Que, afinal, é passado. E, é nesse ponto, que Lula derrotou o presidente Jair Bolsonaro mais uma vez.
Primeiro, colocou a culpa pelo vexame do relatório das Forças Armadas sobre as urnas eletrônicas no culpado de direito: o atual presidente. Disse que ontem o país viveu um momento “humilhante” e “deplorável”, com a divulgação do relatório.
“Um presidente não tinha o direito de envolver as Forças Armadas nisso”, disse Lula: “o resultado foi humilhante”. Lula afirmou que Bolsonaro tem a obrigação de vir a público falar sobre o relatório e a lisura das eleições. Ele reforçou que o presidente criou a narrativa de fraude eleitoral porque sabia da derrota iminente. E cobrou, pela primeira vez publicamente, que Bolsonaro se manifeste.
“Ele ainda não reconhece a derrota. Seria tão fácil fazer como fez o Alckmin, como fez o Serra, quando disputou comigo. Como eu fiz duas vezes com Fernando Henrique Cardoso. Pega o telefone e liga: olha, parabéns pela tua vitória. E anuncia ao país: este país tem um perdedor e tem um ganhador. Ele ainda não teve coragem de fazer isso.”
Que Bolsonaro perdeu a eleição, sabemos desde o dia 30 de outubro. Mas hoje, com seu silêncio permissivo para que os protestos de eleitores se arrastem nas rodovias e na frente de quartéis, o presidente perde mais uma vez.