Uma vez ouvi na redação: “neonazistas, às centenas, nas redes sociais? Isso é exagero.” Quando anos atrás a antropóloga Adriana Dias soava o alarme contra o avanço do fascismo, do neonazismo e do hitlerismo no Brasil, era justamente essa a expressão de incredulidade que se ouvia. Mas, da Cidadela, que era o nome que Adriana usava para dizer que estava pilotando suas pesquisas das profundezas da internet, ela antevia o crescimento assustador desses movimentos no mundo real e virtual. Dois mundos indissociáveis.
Recentemente, esta coluna publicou com exclusividade um levantamento da pesquisadora, que atuou principalmente na Unicamp e cujo trabalho tem reconhecimento nacional e internacional. A pesquisa mostrava que, no ano eleitoral, o número de células nazistas no Brasil mais que dobrou, alimentado por um discurso de ódio e radicalismo. Os grupos neonazistas e misóginos proliferaram nos últimos anos e se tornaram uma ameaça à democracia e aos direitos conquistados a duras penas no Brasil. Não era mais uma “teoria da conspiração”, mas uma realidade difícil de engolir.
Nas últimas semanas, Adriana avisava aos amigos no Twitter: “Não estou na Cidadela. Estou internada. Conto com rezas, orações e luz de vocês”. Para quem conheceu Adriana, parecia que era mais uma batalha a ser vencida. Ela, que nasceu com os “ossos de vidro” mas nunca envergou sua coluna para as doenças que a atormentaram nem para os nazistas que a ameaçavam cotidianamente.
Neste domingo, 29, Adriana Dias morreu, cercada por amigos e por seu companheiro. Sua morte prematura, aos 52 anos, pode fazer parecer que agora os neonazistas poderão despejar seu ódio com mais vigor. Mas o legado de Adriana será mantido e desenvolvido por outros combatentes, pesquisadores, ativistas. Não só seu trabalho acadêmico, mas sua luta pela inclusão e participação das pessoas com deficiência nas esferas de decisão.
Não se pode negar que foi um final de semana triste para a democracia e para as mulheres. No sábado, um câncer também levou a vida de Vana Lopes, uma mulher que teve a coragem de denunciar o então intocável médico Roger Abdelmassih, que cumpre pena por ter violentado suas pacientes. Vana transformou sua dor em luta e passou a apoiar todas as mulheres que denunciavam assédio e violência sexual.
Adriana Dias enfrentou a violência e os movimentos neonazistas com a mesma gana com que driblou todos os prognósticos de saúde desde seu nascimento. Para os jovens, essas mulheres deixam uma linda lição. E, para os que acompanharam suas batalhas, que no fundo são a mesma luta, fica um tanto de tristeza e muito de agradecimento.
Que os vigias da Cidadela façam jus ao trabalho iniciado por Adriana e por Vana.