O fim da Lava Jato tem Sérgio Cabral em casa e Sergio Moro no Senado

No Brasil, tudo acontece ao mesmo tempo sem nenhuma sutileza

20 dez 2022 - 08h00
(atualizado às 10h46)

Se a história recente do Brasil fosse um filme, diríamos que falta sutileza e sobram coincidências nesse roteiro. Aquela coisa de roteirista exagerado, que cava encontros e desencontros em toda a narrativa. Ontem, enquanto o último preso da Lava Jato voltava para casa, o juiz e o principal acusador do caso brindavam felizes seus diplomas de senador e deputado federal. É o réquiem para a operação policial que, em 2014, virou a política brasileira do avesso.

Tanto o ex-juiz Sergio Moro quanto o ex-procurador Deltan Dalagnol lamentaram a prisão domiciliar concedida a Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro, que cumpriu seis anos em regime fechado. "Vivemos tempos desafiadores nos quais a honestidade parece ter sido banida", escreveu Moro no Twitter, ao reclamar do afrouxamento da pena de Cabral.

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Sergio Moro
Sergio Moro
Foto: Marcelo Camaro/Agência Brasil

Se a ida do ex-governador para a prisão domiciliar marca o fim da era de prisões da Lava Jato, a diplomação de ontem de Moro e Dalagnol (senador e deputado federal pelo Paraná) é o prego no caixão nada leve daquela operação policial.

A Lava Jato alçou esses dois nomes do Paraná e ainda o da mulher de Moro, Rosângela, em São Paulo, a figuras da política nacional. É justo dizer que Moro, então juiz federal de primeira instância, já havia ganhado certa notoriedade anos antes, com o caso Banestado. Foi nesse processo que ele deu o benefício da delação premiada ao doleiro Alberto Youssef, que, em 2014, voltaria à cena como pivô da Lava Jato.

Depois de mandar prender o ex (e agora novo) presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Paraná ficou pequeno para Sergio Moro. Assim como a Justiça Federal. Ele aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja vitória foi pavimentada com a prisão de Lula, e queria muito ser ministro do Supremo Tribunal Federal. Político de poucos amigos, Bolsonaro não lhe concedeu essa graça. O aliado se tornou um inimigo.

Viatura com Sérgio Cabral deixa presídio em Niterói
Foto: Pedro Kirilos/Estadão / Estadão

Então, Moro pensou que poderia ir além. Tentou ser, ele mesmo, o presidente. Na malfadada terceira via, no entanto, não sobrou espaço para ele, que tentou sair do Paraná e aportar em São Paulo. Também não deu certo. Mas, como Moro mesmo disse, deixou para os paulistas sua representante da Lava Jato no estado, sua esposa, Rosângela. Quem acompanhava a Lava Jato nas redes sociais pode se lembrar de um dos feitos de Rosângela, o perfil de Facebook "Eu MORO com ele", no qual exaltava o dia-a-dia do marido. 

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Autor do ridicularizado powerpoint que creditava a Lula todos os males do mundo, Deltan Dalagnol também achou que o Ministério Público Federal ficara pequeno para ele. Mas foi mais modesto, continuou no Paraná e se elegeu deputado federal sem nenhuma dificuldade. Moro, depois de breve residência não-confirmada em São Paulo, voltou para o Paraná e arrancou o ex-aliado Álvaro Dias da cadeira do Senado. Assim se desfazia uma linda amizade.

Álvaro Dias (Podemos) era um defensor da Lava Jato. Gostava de Moro muito antes de o ex-juiz entrar para a política. Usou aquela operação policial para ilustrar todo o seu discurso anticorrupção quando foi candidato a presidente, em 2018. Teve 860 mil votos, ficou na rabeira da corrida. No ano passado, vislumbrou a chance de levar a Lava Jato mais uma vez ao escrutínio do eleitor, mas com Moro candidato a presidente. Assim, levou o ex-juiz para seu partido, o Podemos.

Mas o ex-juiz deixou o Podemos, ingressou no União Brasil e, empurrado pela Justiça Eleitoral para voltar ao Paraná, disputou contra o próprio Álvaro Dias. Ironia das ironias, a Lava Jato que Álvaro Dias tanto defendeu foi exatamente o mote de campanha que o derrubou, dando sua cadeira a Moro.

Sérgio Cabral volta para casa a tempo de ver a posse de Lula pela TV com a família. Lula, aquele que foi tirado do páreo em 2018 pela Lava Jato e reabilitado para concorrer às eleições de 2022 pelas falhas da Lava Jato apontadas e confirmadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

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Cabral vai poder ver de casa também a posse de Moro, aquele que ganhou notoriedade por causa da Lava Jato, mas que perdeu todas as chances de ser presidente em 2022 também por causa de sua atuação... na Lava Jato.

É certo que a operação Lava Jato morreu há uns dois anos e foi sepultada ontem, com o último dos seus presos voltando para casa. Mas não se pode negar o papel (justo ou não) que ela exerceu sobre a história recente da política brasileira. Para o Papa Francisco, no que diz respeito à condenação de Lula, a Lava Jato foi um mau negócio. Ele disse na semana passada que a condenação nasceu de fake news sobre o petista e alertou o mundo sobre os perigos da desinformação. 

Para os brasileiros fica ainda um mal-estar e a dúvida sobre até onde os agentes da lei podem interferir na política formal e fazer parte dela.

Fonte: Tatiana Farah Tatiana Farah é jornalista de política há mais de 20 anos. É repórter da Agência Brasília Alta Frequência. Foi gerente de comunicação da Abraji, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. Repórter do BuzzFeed News no Brasil de 2016 a 2020.  Responsável por levar os segredos do Wikileaks para O Globo, onde trabalhou por 11 anos. Passou pela Veja, Folha de S. Paulo e outras redações, além de assessorias de imprensa. As opiniões da colunista não representam a visão do Terra. 
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