Foi um gesto de covardia e despeito, mas, ao não passar a faixa ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o EX-PRESIDENTE JAIR BOLSONARO (destaco em maiúsculas por escrever esta expressão pela primeira vez) prestou um grande serviço ao Brasil. Sua ausência na rampa do Palácio do Planalto copiou a falta de fair play do último presidente da ditadura, João Figueiredo, que saiu pela porta dos fundos do palácio para não colocar a faixa em José Sarney, primeiro presidente da redemocratização. Ao repetir o gesto do ditador, Bolsonaro disse muito mais sobre si do que nos quatro anos de seu desastroso governo.
Mas, ainda assim, ao deixar o cargo a dois dias do fim de seu governo para se abrigar em Miami, Bolsonaro ajudou a escrever uma das mais significativas e bonitas páginas da História do Brasil. Lula subiu a rampa e recebeu a faixa de cidadãos comuns brasileiros e de um líder indígena incontestável, o cacique Raoni.
O menino Francisco Carlos do Nascimento e Silva, de 10 anos, atleta da periferia de São Paulo, chegou com a faixa, que passou pelas mãos daquele grupo que subiu a rampa com Lula: tinha metalúrgico, professor, catadora de papel, cozinheira. Teve Ivan Baron, que venceu aquela subida da rampa com a mesma garra com que venceu a meningite viral quando menino e que convive com suas sequelas. A mulher negra que lhe colocou a faixa é a catadora Aline Sousa da Silva. Filha de catadores, mãe de sete filhos, ela comanda uma cooperativa de reciclagem e ainda arruma tempo e ânimo para cursar Direito.
Duas pessoas eram ativistas que, em todos os 580 dias de prisão de Lula em Curitiba, saudavam o petista com o "boa tarde, presidente Lula". O cumprimento, que começava com o "bom dia" e encerrava com o "boa noite", era para mostrar ao petista que ele não estava sozinho e que não seria esquecido.
A eleição de outubro mostrou que não foi. Lula venceu apesar dos ataques rasteiros contra a democracia, com a intimidação de trabalhadores, com um sistema forte de falsas notícias e o uso desmedido de recursos do Estado para segurar o eleitorado de Bolsonaro. E foi por isso que Lula, ao discursar para o público, começou dizendo que diria algo de muito significado: "boa tarde, povo brasileiro".
Se Lula segurou a emoção ao ser empossado no Congresso Nacional, ali, na rampa, ele debulhou-se em lágrimas. Ele falou da fome e do desamparo do povo brasileiro nos últimos quatro anos. No Congresso, já havia pregado a paz, mas sem deixar de afirmar que esperava punição para os golpistas e para os responsáveis pelo que chamou de genocídio: a morte de 690 mil pessoas na pandemia.
O Brasil que Lula encontra agora é muito mais assustador do que o de 2003. Mais fome, mais desemprego, maior dívida pública e um processo de desmonte que vai da cultura à saúde. Serão tempos difíceis. E dois grandes momentos deste domingo vão poder nos guiar neste processo: os brasileiros que passaram a faixa a Lula e a frase do presidente: "Democracia para sempre".