Para as motociatas, o lanche; para os yanomamis, a fome

Juntas, as notícias sobre o abandono dos yanomamis e os gastos do cartão corporativo explicam muito o Brasil de Bolsonaro.

23 jan 2023 - 15h29
(atualizado às 16h48)
A Funai agora troca de mãos e de nome. Deixa de ser a Fundação Nacional do Índio para ser a Fundação Nacional dos Povos Indígenas
A Funai agora troca de mãos e de nome. Deixa de ser a Fundação Nacional do Índio para ser a Fundação Nacional dos Povos Indígenas
Foto: Ricardo Stuckert/PR

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva exonerou nesta segunda-feira, 23, onze coordenadores distritais de saúde indígena do Ministério da Saúde, entre eles o de Roraima. No final de semana, o petista foi ver de perto a situação desesperadora dos yanomamis no estado. Não é preciso ter um coração de manteiga para chorar com a imagem das crianças desnutridas e de idosos esqueléticos, cujas costelas aparentes lembram o doloroso holocausto dos judeus sob domínio da Alemanha nazista.

Ao deparar com essa tragédia, uma vergonha nacional, o presidente afirmou que seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL), só tinha olhos para suas motociatas. A agência de jornalismo de dados Fiquem Sabendo mostra que a fala de Lula não é apenas bravata. A agência abriu as contas e as notas fiscais do cartão corporativo do ex-presidente. Milhares e milhares de reais em lanches para alimentar os motociclistas que, em diversos pontos do país, acompanharam Bolsonaro em sua campanha durante a pandemia e no período pré-eleitoral.

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Longe de ser uma despesa de governo, as motociatas foram um instrumento para que Bolsonaro se mostrasse forte como figura pública. Os gastos do cartão corporativo para esses eventos, que incluem milhares de reais em padarias e afins além de diárias em hotéis, saíram do seu bolso, quer você seja apoiador do bolsonarismo ou não.

Juntas, as notícias sobre o abandono dos yanomamis e os gastos do cartão corporativo explicam muito o Brasil de Bolsonaro. Fustigados pelo desmatamento criminoso, por invasões de suas terras e pelo incêndio de suas florestas, os indígenas padeceram sem políticas de saúde e educação. A Funai foi desmontada, muitos profissionais comprometidos com os indígenas foram silenciados, afastados ou empurrados para fora da mesa de tomada de decisões. 

Aqui e aqui, os relatos da situação encontrada pelas equipes do Ministério da Saúde no território Yanomami.

A Funai agora troca de mãos e de nome. Deixa de ser a Fundação Nacional do Índio para ser a Fundação Nacional dos Povos Indígenas. Será pela primeira vez comandada por uma mulher indígena, a deputada Joenia Wapichana. É um bom sinal. Mas ainda é preciso garantir, para além das palavras de Lula, o compromisso do país com os povos indígenas. É preciso enviar recursos e estabelecer políticas sólidas que garantam a sobrevivência e o desenvolvimento dos povos originários.

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Que a indignação com o abandono dos  indígenas vá muito além das hashtags #somostodosyanomamis. Como questionou o Padre Julio Lancelloti, que cuida das pessoas em situação de rua em São Paulo, “onde estão as notas de protesto dos cristãos pró-vida frente à morte do povo Yanomami?” É uma população, uma etnia inteira, sendo dizimada pelo descaso e pelo desprezo.

Fonte: Tatiana Farah Tatiana Farah é jornalista de política há mais de 20 anos. É repórter da Agência Brasília Alta Frequência. Foi gerente de comunicação da Abraji, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. Repórter do BuzzFeed News no Brasil de 2016 a 2020.  Responsável por levar os segredos do Wikileaks para O Globo, onde trabalhou por 11 anos. Passou pela Veja, Folha de S. Paulo e outras redações, além de assessorias de imprensa. As opiniões da colunista não representam a visão do Terra. 
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