Esta quarta-feira, 11.jan.23, é um daqueles dias para guardar no álbum de retratos da história recente brasileira. Com um maracá nas mãos, uma mulher tornou-se a primeira pessoa a ocupar o Ministério dos Povos Indígenas. Ao tomar posse, a líder indígena Sonia Guajajara saudou a história de seus ancestrais, denunciou o abandono das políticas indígenas e homenageou os indígenas assassinados nos últimos anos, assim como Bruno Pereira e Dom Philips.
Em seguida, Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, afirmou que devemos viver novos tempos, em que "uma mulher preta possa ocupar espaços de tomada de decisão sem levar cinco tiros na cabeça". Referia-se, emocionada, à irmã, Marielle Franco, assassinada em 2018. Ao cumprimentar Dilma Rousseff, a quem chamou de "minha eterna presidenta", Anielle chorou de soluçar.
Ao final da cerimônia, que ocorreu em um palácio ainda em reforma por causa dos ataques de domingo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que equipara a injúria racial ao crime de racismo. A mudança, segundo os especialistas, será uma arma eficiente no combate aos crimes raciais. O que se registrou ali, nesta quarta-feira, foi a comunhão dos povos que criaram o Brasil, ao som dos cantos indígenas, do samba que enaltece a negritude, da dança da ema dos terenas, do Hino Nacional em guarani.
É muito significado para uma única tarde. Mais ainda se considerarmos que os anunciados protestos dos golpistas bolsonaristas estavam agendados para as 18h, mas não renderam. As duras mensagens do governo e do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes parecem ter surtido efeito. Pelo menos por ora.
Em seu discurso, Sonia Guajajara anunciou também que, na próxima semana, deverá tomar posse a nova presidente da Funai, Joênia Wapichana. É a primeira vez que a Funai é dirigida por uma pessoa indígena. E, como reflexo desse momento, a instituição mudará de nome: de Fundação Nacional do Índio para Fundação Nacional dos Povos Indígenas. Há muito tempo os indígenas têm lutado contra o termo índio, que é uma caricatura que não os representa.
Tanto Sonia como Anielle insistiram em dizer que as manifestações de cunho golpista não vencerão. Fora do discurso lido, a ministra dos Povos Indígenas puxou o coro: "sem anistia". Em um país que atravessou séculos contemporizando conflitos e jogando as cisões para debaixo do tapete, gritar "sem anistia" é muito mais do que reforçar a democracia. O temor dos progressistas é que o país, sob o mote da conciliação, repita a falha do fim da ditadura e conceda anistia aos golpistas.
Sobre os dois ministérios, para muito além das fotos (que devem permear os meios de comunicação internacionais amanhã), é importante saber se serão apenas um depósito dos sonhos de quem busca igualdade e reparação ou se terão influência e recursos para mudar os rumos do Brasil. Um país solapado pelo desmonte de políticas e pelo cinismo do governo anterior, que colocou à frente do principal órgão de questões raciais, a Fundação Palmares, um homem que negava existir racismo.
A jornada de Sonia e Anielle é dura. Assim como é grande a responsabilidade de carregar a história de seus ancestrais e toda a esperança do povo preto e indígena de representação e reparação. Mas, preta e indígena, essas mulheres sobreviveram a toda sorte de ameaças e impedimentos. Entram agora, para a história, não como sobreviventes, mas como líderes. Que os santos, os antigos e os orixás as protejam.