Relator da proposta de emenda à Constituição (PEC) da segunda instância, o deputado Fábio Trad (PSD-MS) prevê dificuldade para se chegar a um consenso. E não se trata da prisão de condenados, com o que ele concorda e acredita haver maioria favorável, mas, sim, da aplicação da mesma regra para ações cíveis, tributárias e trabalhistas, o que anteciparia o pagamento de dívidas e precatórios em disputa judicial, com impacto ainda incalculável para os cofres públicos.
"A comissão já nasce dividida, porque eu percebo, claramente, metade sustentando que deve se estender a outras áreas e outra metade sustentando que deve se ater ao Direito Penal. Sendo que há argumentos respeitáveis dos dois lados", disse Fábio Trad ao jornal O Estado de S. Paulo, sem antecipar sua opinião.
Levantamento do jornal mostrou que, quando questionados se apoiam a prisão em segunda instância, 22 dos 30 deputados já indicados para a comissão especial da Câmara se declaram a favor. A pergunta, porém, não envolve em quais tipos de casos a medida seria aplicada.
Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista.
A prisão em segunda instância já foi amplamente discutida ao longo dos últimos anos. Por que não julgar apenas essa proposta sem estender para outros tipos de ações?
Entendo que a aprovação da PEC 199 determinará um ambiente de segurança jurídica na questão da execução de pena. A impressão que eu tenho é que a população brasileira, com razão, tem a percepção de impunidade porque o tempo entre a data do crime e a pena é muito longo para réus que estão em liberdade. É preciso criar mecanismo que encurte esse tempo. Mas que tipo de mecanismo? Um que viole cláusula pétrea? Claro que não. Então a alternativa razoável é através da modificação dos artigos 102 e 105 da Constituição Federal.
Nas ruas e nas redes sociais existe uma cobrança para que a prisão em segunda instância seja aprovada para já. O embate entre Câmara e Senado para saber qual proposta vai ser votada não passa a impressão de que o Congresso é contra o combate ao crime?
Falo por mim. Eu estarei disposto a oferecer o meu relatório após as dez sessões regimentais estabelecidas aqui na Câmara como tempo mínimo para que o relatório seja oferecido.
Por que não começar no Senado se lá já existe discussão mais avançada apenas sobre a questão criminal?
Porque o Senado insiste em discutir uma mudança no plano infraconstitucional. Eu penso que mudar irá tornar mais vulnerável juridicamente a questão.
O senhor mencionou a PEC Peluso, apresentada em 2011 pelo senador Ricardo Ferraço. Ela tramitou por oito anos e não foi aprovada pelo Senado. Ao retomar o mesmo debate, não há risco de se fracassar novamente?
Não, eu não vejo como atestado de fracasso. Eu vejo como sinal de tentativa de adequação aos tempos atuais. A grande questão que vai ser debatida na tramitação desta PEC é justamente se a medida se estende ou não às outras áreas, como cível, administrativa, tributária, trabalhista. E pela minha percepção do colegiado que se formou, metade, metade.
Dá pra dizer que a comissão já vai começar rachada nesse ponto?
Já nasce dividida porque eu percebo claramente ali metade sustentando que deve se estender a outras áreas e outra metade sustentando que deve se ater ao direito penal. Sendo que há argumentos respeitáveis dos dois lados.
Quais argumentos?
O argumento principal de que deve se estender a outras áreas: a liberdade é o bem maior depois da vida. Então, quando se postula a proteção à liberdade, não se pode ir ao Supremo Tribunal Federal. Mas para se ter a posse de um cachorrinho poodle, em uma ação de divórcio litigioso, há de haver espera até o Supremo? Quer dizer, o bem material prevalece em relação ao bem imaterial? Esse é o argumento que diz respeito àqueles que entendem que deve se estender a outras áreas. O outro que diz respeito a quem sustenta que deve se ater apenas à área criminal é que o motivo principal da discussão cingiu-se ao princípio da presunção de inocência, a linha do artigo 5º, inciso 57 da Constituição Federal, e tem natureza eminentemente penal.
Quais são suas dúvidas então em relação ao relatório hoje?
Eu tenho humildade para reconhecer que o assunto é complexo. Embora eu defenda a execução logo depois da segunda instância. Mas eu quero ouvir ex-ministros do Supremo e atuais, e outros especialistas em segurança pública, para fazer uma ponderação sobre os benefícios e os prejuízos da extensão para outras áreas. Isso é uma questão em relação à qual eu estou aguardando o tempo de concretização das audiências públicas para amadurecer meu ponto de vista.
O presidente do STF, Dias Toffoli, disse que basta mudar o Código de Processo Penal (CPP) para prever a execução antecipada.
Um. Um ministro apenas. Aliás, toda essa discussão parlamentar se deve ao voto do ministro Toffoli. Porque se o ministro Toffoli acompanhasse os outros 5 que votaram pela constitucionalidade do artigo 283, consagrando a intangibilidade de cláusula pétrea, o Congresso, eu penso que não haveria de deflagrar esse processo tumultuário de discussão.
O sr. vê como tumultuária essa discussão?
Vejo porque há, na realidade, uma concorrência entre as duas Casas praticamente. Agora eu penso que a alteração vai tornar vulnerável essa questão a ponto de qualquer um dos cinco ministros, com exceção do Toffoli, se for distribuído para um deles...
Mas o voto da ministra Rosa Weber também se justifica pelo Código de Processo Penal. Seria 7x4 então.
É, mas vamos imaginar que 7x4, um dos 4 seja distribuído, suspende a vigência de uma lei aprovada na Câmara ou no Senado, porque muda...
O sr. acha que a minoria do Supremo poderia descumprir a posição da maioria?
Exatamente, poderia dar concretude ao entendimento já exposto no julgamento. Então eu penso que a PEC é o instrumento mais consistente, que vai dar mais segurança jurídica, e que vai definitivamente acabar com essa questão da execução da pena criminal.