Como articulações no Congresso e troca de ministros podem mudar STF

Deputados e senadores trabalham com projetos para contrabalancear influência de presidente do país sobre STF; calendário dará a ala 'lavajatista' comando da corte no fim de 2020 — e maioria.

14 fev 2020 - 06h53
(atualizado às 07h21)
Dias Toffoli (esq.) encerrá seu mandato de dois anos na presidência do STF em setembro
Dias Toffoli (esq.) encerrá seu mandato de dois anos na presidência do STF em setembro
Foto: ABR / BBC News Brasil

Até o fim de 2020, a paisagem no Supremo Tribunal Federal (STF) vai mudar bastante: o equilíbrio da corte deve pender em favor da ala "pró Lava-Jato", em detrimento do grupo chamado de "garantista", que, defenderia de forma mais rígida os direitos dos réus e investigados.

Do outro lado da Praça dos Três Poderes, no Congresso, políticos de todas as cores ideológicas observam o calendário e se preocupam com as possíveis mudanças no STF, e dão impulso, no Senado, a projetos que podem mudar a forma de funcionamento da Corte.

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Um dos projetos limita os mandatos dos ministros a dez anos, e tira do presidente da República a exclusividade na indicação. A outra proposta limita o poder dos ministros de conceder decisões individuais.

Apesar do temor em relação às mudanças no STF, os políticos ainda não chegaram a um consenso sobre alterações no funcionamento da Suprema Corte, segundo apurou a BBC News Brasil com articuladores.

Os próprios integrantes do STF têm dúvidas sobre as possíveis alterações.

O ministro Marco Aurélio Mello, por exemplo, disse à BBC News Brasil que a proposta de criar um mandato de dez anos para os ministros é "temerária", embora seja uma decisão que cabe ao Congresso.

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"É uma opção política normativa. Agora, o Supremo (brasileiro) foi criado à imagem da Suprema Corte americana, onde inexiste o mandato. O que surge no contexto (é que haverão) repercussões. Na jurisprudência, pela modificação do colegiado, e quanto à aposentadoria. Depois dos dez anos, o integrante se aposentaria? Não se sabe", disse o ministro. "É sempre temerário, mas cabe ao Congresso a opção", disse ele.

Mudanças no STF no fim do ano

No segundo semestre deste ano, ocorrerão mudanças no Supremo Tribunal Federal.

Em setembro, o ministro Dias Toffoli concluirá seu mandato de dois anos como presidente da Corte, passando o bastão a Luiz Fux — é o presidente da Corte que decide a pauta de julgamentos, além de decidir sobre os casos que chegam ao tribunal durante o recesso.

Fux tem adotado posições que coincidem com o que defendem os procuradores da Lava Jato.

Um dos exemplos mais recentes foi o julgamento sobre prisão em segunda instância, em novembro — Fux votou por manter as regras vigentes até então, como defendiam os investigadores.

Sede do STF em Brasília
Foto: BBC News Brasil

No fim de janeiro, o próximo presidente do STF também decidiu suspender, por tempo indeterminado, a aplicação do chamado "juiz das garantias" — um magistrado que seria responsável pela fase de coleta de provas de um processo.

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Esta figura jurídica tinha sido criada meses antes pelo Congresso, durante a tramitação do chamado "pacote anticrime" proposto por Sergio Moro. A decisão de Fux veio após procuradores da Lava Jato fazerem campanha contra o dispositivo.

No dia 1º de novembro, o ministro mais antigo do STF, Celso de Mello, deixará o cargo em favor de um nome indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O chefe do Executivo já mencionou os ministros Sergio Moro (Justiça), Jorge Oliveira (Secretaria-Geral da Presidência) e André Mendonça (Advocacia-Geral da União) como escolhas possíveis para primeira vaga no Supremo.

Bolsonaro não tem prazo para decidir sobre quem indicará — mas como o nome precisa ser aprovado pelo Senado, a indicação deverá ocorrer meses antes da saída de Celso de Mello.

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"Sem dúvida que nos últimos anos o Supremo Tribunal têm ficado dividido. Basta ver as decisões que se dão na Primeira Turma (integrada pelos ministros Marco Aurélio, Luiz Fux Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Rosa Weber), normalmente estão em conflito, em algumas questões, com as da Segunda Turma (formada pelos ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Edson Fachin e Cármen Lúcia). A segunda turma têm tido um posicionamento mais garantista, digamos assim", diz o advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay.

O criminalista, que atua em alguns dos principais casos do STF, diz não estar preocupado com a mudança na composição da Corte. A história recente mostra que os magistrados tendem a agir de forma independente uma vez que vestem a toga, diz ele.

"A saída do ministro Celso de Mello será sentida, pois ele é um grande humanista, um conhecedor profundo da jurisprudência da Corte e que (decide) sempre no sentido de fazer cumprir a Constituição acima de todas as coisas", disse Kakay à BBC News Brasil. "Mas acho que, quem quer que seja o (novo) ministro nomeado, ele terá de honrar a tradição do Supremo Tribunal Federal", diz ele.

O que está em estudo no Congresso

Há duas propostas adiantadas no Senado que podem alterar o funcionamento do Supremo.

O primeiro é um projeto de lei relatado pelo senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) e que está pronto para ser votado no Plenário do Senado — a proposta tira dos ministros o poder de decidir de forma individual em alguns tipos de processos (ADI e ADPF).

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A decisão de Luiz Fux sobre o "juiz das garantias", por exemplo, ocorreu em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).

Pelo projeto, medidas cautelares nestes tipos de processos só poderiam acontecer com o aval da maioria absoluta dos ministros. A exceção seriam as decisões tomadas durante o recesso — quando apenas o presidente da Corte dá expediente, em regime de plantão. Mas mesmo nestes casos o tema precisaria ser examinado pelo plenário depois.

À BBC News Brasil, Oriovisto defendeu a aprovação da medida, mas disse que ainda não recebeu uma sinalização do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), de quando o tema será pautado no plenário da Casa.

Ao contrário do projeto relatado por Oriovisto, a segunda ideia recebeu uma demonstração clara de Alcolumbre. Na semana passada, o chefe do Senado disse que o projeto de criar um mandato fixo de 10 anos para os ministros do STF é uma de suas prioridades para este ano.

Hoje, o cargo de ministro do STF é vitalício, com a aposentadoria obrigatória aos 75 anos de idade.

A PEC apresentada por Lasier Martins (Podemos-RS) também muda a forma de escolha dos ministros, com o presidente da República escolhendo dentro de uma lista de três nomes.

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Os integrantes desta lista seriam escolhidos pelo próprio STF, pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), de acordo com o substitutivo elaborado pelo senador Antonio Anastasia (PSD-MG).

À BBC News Brasil, Lasier Martins disse que não é seu objetivo tirar de Jair Bolsonaro o direito de indicar os próximos dois ministros do STF — o texto atual da PEC determina que ela só passe a valer depois de 2022.

Na opinião do senador, o PT conseguiu "aparelhar" o STF, ao indicar a maioria dos ministros que hoje compõem a Corte.

"Vamos supor que o Bolsonaro escolha dois. Serão apenas dois indicados por ele. Agora, se ele se reeleger, já no mandato subsequente, já vai ser pela forma do colegiado (caso a PEC seja aprovada). Mas ele vai ter o direito de indicar (os próximos dois ministros). É o direito que ele adquiriu. Não é justo alguém que está em plena gestão ser interceptado em um direito que os outros (presidentes) tiveram", diz Lasier.

Neste momento, a PEC aguarda votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado — a presidente do colegiado, senadora Simone Tebet (MDB-MS), disse a Lasier Martins que colocaria o projeto em votação "no começo do ano".

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Para Lasier, a forma atual de escolha dos ministros do STF acaba limitando a autonomia do Judiciário.

Recentemente, ele disse a uma rádio de São Paulo que o Supremo tem sido "constituído nos últimos tempos por amizades pessoais, gostos pessoais, por afinidades partidárias, ideológicas ou por assessores e ocupantes de antessalas".

À BBC News Brasil, o senador disse que "a experiência tem mostrado que o Supremo não é o que deveria ser, nos últimos anos. Os ministros têm algum saber jurídico, mas não o 'notório saber jurídico' do qual fala a Constituição".

Questão ainda não é consenso, dizem líderes

Nos últimos dias, a reportagem da BBC News Brasil confirmou com os líderes de alguns dos principais partidos — tanto na Câmara quanto no Senado — a existência de uma inquietação quanto às mudanças no Supremo.

"O que eu posso te dizer é que há esta preocupação (com as mudanças no STF). Tanto entre os partidos da esquerda quanto alguns da direita", disse à reportagem da BBC News Brasil o líder de uma das maiores bancadas da Câmara.

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Apesar disso, ainda não há consenso sobre quais medidas deveriam ser adotadas.

"Na Câmara também houve uma proposta que mudava a composição do Supremo, do deputado Arthur Lira (PP-AL), e que não avançou. Não teve ainda uma discussão entre os líderes, para tocar esse projeto. Não sei se terá respaldo na Câmara (a PEC de Lasier Martins)", diz o líder de um partido do Centrão.

"Para tocar um projeto desses, não adianta só a vontade do Senado ou da Câmara. Seria preciso dar uma articulada com o Supremo também, entendeu? Para ver o que eles acham", diz o líder.

"Lá atrás, quando a gente fez a PEC da Bengala (em 2015, o Congresso aprovou uma PEC que aumentava a idade de aposentadoria dos ministros do STF), foi articulado com o próprio Supremo. Agora, eu não sei se existe alguma articulação lá. E, se não tiver, você cria um conflito que eu acho que é desnecessário", diz ele, sob anonimato.

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