Como derrota do voto impresso poderia enfraquecer governo, mas fortalecer Bolsonaro

PEC deve ser votada na Câmara na terça-feira mesmo após rejeição por comissão e com forte oposição da maioria dos partidos

10 ago 2021 - 16h23
(atualizado às 16h24)
Arthur Lira deve pautar votação da PEC do voto impresso em um misto de afago ao presidente e um cálculo político em benefício próprio
Arthur Lira deve pautar votação da PEC do voto impresso em um misto de afago ao presidente e um cálculo político em benefício próprio
Foto: Reuters / BBC News Brasil

A proposta de emenda constitucional (PEC) do voto impresso deverá ser votada pelo plenário da Câmara dos Deputados na terça-feira (10/8), no mesmo dia em que um desfile militar sem precedentes ocorreu em Brasília.

A expectativa é que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), paute a matéria mesmo após ela ter sido derrotada em uma comissão especial, como ele já havia prometido fazer.

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Foi em parte um afago de Lira a Jair Bolsonaro (sem partido) — os dois são aliados, e a proposta do voto impresso é uma pauta especialmente cara ao presidente da República — e em parte também um cálculo político do presidente da Câmara.

No entanto, a PEC enfrenta a oposição da maioria dos partidos e, por isso, a expectativa é que seja rejeitada mais uma vez.

Caso se confirme, esse resultado pode por um lado evidenciar ainda mais a fragilidade política do governo federal, segundo cientistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil.

Um eventual revés evidenciaria os limites da aliança que Bolsonaro vem costurando com o Centrão, bloco informal de partidos que garante sua sustentação política e do qual Lira e o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PI-PP), são dois expoentes.

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Mas, ao mesmo tempo, o saldo pode ser positivo para o presidente junto à sua base, porque o veto do Congresso ao voto impresso poderia ser usado por ele para reforçar seu discurso de que ele está sendo perseguido e impedido de promover as mudanças que prometeu.

Bolsonaro quer mudar votação, mas não tem apoio no Congresso

Bolsonaro vem lançando dúvidas sobre a lisura da votação eletrônica, sem apresentar provas de que eleições passadas tenham sido fraudadas.

Na verdade, como mostrou a BBC News Brasil, análises matemáticas da votação em 2014 afastam a hipótese de que tenha ocorrido uma suposta manipulação, como alega o presidente.

Bolsonaro tem usado esse argumento para fazer campanha pelo voto impresso, alegando que um comprovante em papel permitiria que o resultado fosse auditado.

Mas o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já se manifestou mais de uma vez contra esse discurso, afirmando que uma série de procedimentos e verificações garantem a segurança e revisão do pleito.

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Alguns analistas indicam que Bolsonaro tem feito essa campanha como uma forma de preparar o terreno para contestar a eleição caso seja derrotado, como fez o ex-presidente americano Donald Trump.

Mas a proposta de mudança na votação não tem encontrado apoio no Congresso. Presidentes de 11 partidos (PP, DEM, PL, Republicanos, Solidariedade, PSL, Cidadania, MDB, PSD, PSDB e Avante) assinaram uma nota conjunta contra a mudança. Legendas de esquerda, como PT, PSB e PSOL, também são contrárias.

Um levantamento feito pelo jornal O Globo apontou que 15 dos 24 partidos com representantes na Câmara hoje são contra a PEC. Eles somam 330 deputados. São necessários ao menos 308 votos dos 513 deputados para aprovar uma proposta que altere a Constituição.

Base do presidente encampa a mudança na votação
Foto: Reuters / BBC News Brasil

A PEC já foi rejeitada em uma comissão especial criada para analisar o tema. Por 23 votos a favor e 11 contra, ela foi rejeitada na quinta-feira passada (5/8).

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O presidente da Câmara fugiu à regra — em casos assim, as propostas normalmente não vão ao plenário — e usou sua prerrogativa de levar o tema para ser apreciado por todos os deputados.

No entanto, a PEC enfrenta resistências, porque os próprios deputados foram eleitos com base nesse mesmo sistema. Questionar o voto eletrônico abre um precedente perigoso, diz a cientista política Lara Mesquita, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

"Os líderes partidários têm mais compromisso com a democracia do que o presidente e não querem gerar caos ou uma desconfiança na democracia. Quem garante que depois não vai ser questionada a legitimidade do próprio Congresso?", diz Mesquita, que é pesquisadora do Centro de Estudos em Política e Economia do Setor Público (Cepesp).

Apesar disso, Mesquita ressalta que, embora a perspectiva seja ruim para a PEC, é preciso esperar para ver qual texto será apresentado no plenário, porque pode ser apresentada uma nova proposta.

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"Se eles mudarem a previsão da apuração manual dos votos, que foi um ponto muito polêmico, e a ideia de implementar isso já em 2022, pode reduzir a resistência", diz Mesquita.

Presidente e aliados esperam derrota

O cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), avalia que a iniciativa de Lira, um dos líderes do Centrão, de levar a proposta ao plenário mesmo sem a garantia do apoio necessário é parte de um cálculo político do deputado.

Desta forma, Lira demonstra solidariedade ao presidente, dando uma segunda oportunidade à PEC. "E, se ela for derrotada, ele não sai como vilão e compartilha com todo o Congresso esse ônus, sem sofrer sozinho a carga vinda dos bolsonaristas", diz Monteiro.

O cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências, avalia que esse movimento tem ainda outro propósito. Isso abriria um caminho para dar uma "vitória simbólica" ao presidente com a negociação de alguma mudança no processo eleitoral que não seja o voto impresso, como ampliar o número de urnas que serão vistoriadas, por exemplo.

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Ao mesmo tempo, seria uma tentativa de evitar uma escalada ainda maior na tensão na relação do Planalto com os outros poderes.

"Mas acreditar nisso me parece ingênuo se olhamos o histórico do presidente, que não opera bem quando há uma acionamento do sistema de freios e contrapesos e fica inseguro quando percebe que tem menos poder do que gostaria", diz Cortez.

Votação expõe limites da aliança de Bolsonaro com o Centrão do agora ministro Ciro Nogueira
Foto: Reuters / BBC News Brasil

O próprio presidente da Câmara disse em entrevista à rádio CBN que as chances de aprovação são pequenas e afirmou Bolsonaro respeitará o resultado da votação no plenário.

"Eu falei com todos os chefes de poderes, com Bolsonaro. Eu relatei que, embora não usual, para ter um ponto final, traria a PEC para o plenário. Depois de ouvir algumas pessoas e refletir sobre o assunto, eu me convenci de que era a decisão mais acertada", afirmou Lira.

"O presidente Bolsonaro, numa ligação telefônica, me garantiu que respeitaria o resultado. Eu confio na palavra do presidente da República ao presidente da Câmara."

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Mesmo Bolsonaro já admitiu que a proposta deve ser derrotada e apontou o dedo para Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do TSE.

"Se não tiver uma negociação antes, um acordo, vai ser derrotada a proposta, porque o ministro Barroso apavorou alguns parlamentares. E tem parlamentar que deve alguma coisa na Justiça, deve no Supremo, né. Então, o Barroso apavorou", disse o presidente em entrevista à Brado Rádio, de Salvador.

"Ele foi para dentro do Parlamento fazer reuniões com lideranças e praticamente exigindo que o Congresso não aprovasse o voto impresso."

Para ser aprovada, a PEC teria que passar por duas votações na Câmara e duas no Senado, sem alterações no texto.

A cientista política Camila Rocha, pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), avalia que, embora a tendência seja a rejeição da proposta, não dá para cravar isso antes da hora.

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"Não colocaria minha mão no fogo pelos posicionamentos que vêm sendo anunciados publicamente, porque isso muda muito rápido a depender das circunstâncias do jogo político", afirma Rocha.

"Mas a avaliação geral é que o voto impresso representa um retrocesso grande. É uma proposta que está fora dos marcos que vêm balizando a eleição desde 1996 e fortalecendo a confiança no processo eleitoral, então, é algo muito delicado e que enfraquece a democracia."

O que esperar?

Rejeição de PEC pode ajudar a reforçar discurso de Bolsonaro de que está sendo perseguido
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Uma derrota da PEC, caso se confirme, deixaria evidente os limites da recente aproximação do governo com o Legislativo, por meio da aliança com o Centrão, na avaliação de Rafael Cortez.

"Confirma que, nessa barganha entre os poderes, o lado mais fraco é o governo e que a base de sustentação que se tenta construir é mais negativa, para evitar o impeachment, do que positiva, para a aprovação de propostas", diz o cientista político.

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Um revés nesta votação deixa claro que o Centrão não está aderindo ao bolsonarismo, diz Geraldo Tadeu Monteiro, da Uerj: "São governistas a depender da pauta. Não vão aderir se não tiver conexão com seus interesses".

Camila Rocha aponta que uma eventual derrota do voto impresso no Congresso seria um desgaste principalmente para o presidente. Isso porque foi uma pauta encampada com tanta força por ele e em torno da qual ele fez forte campanha, tentando mobilizar seus apoiadores.

"Mas não diria que é um teste para o governo, porque o governo tem outras questões mais importantes, e essa é facilmente superável como foi a queda do [Sergio] Moro e dos ministros, a tendência é que o foco migre para outras pautas", diz Rocha.

Geraldo Tadeu Monteiro diz ser difícil dissociar os dois e que uma derrota de Bolsonaro não deixa de ser uma derrota do governo. No entanto, ele afirma que mesmo uma rejeição da PEC poderia ser usada por Bolsonaro a seu favor.

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Isso porque o presidente teria um novo argumentos par continuar mobilizando seus apoiadores, ao afirmar que está sendo impedido de promover as mudanças que disse que faria durante a campanha.

"Ele vai dizer que fez sua parte e que não conseguiu por causa das elites e seus interesses. Bolsonaro pode ter um ganho político com sua militância", diz Tadeu.

Lara Mesquita concorda, mas ressalta que a derrota da PEC não sinalizaria uma fragilidade do governo. Ela argumenta que há vários outros projetos de lei e medidas provisórias de autoria do Planalto que estão engavetados no Congresso.

A dificuldade enfrentada pela proposta do voto apenas é mais uma evidência de um governo fragilizado e que o rumo do voto impresso não alteraria a balança a favor ou contra outras propostas do Planalto em discussão hoje.

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Mesquita acredita ainda que uma eventual rejeição da PEC não teria um grande significado para Bolsonaro, porque o presidente não estaria, na sua opinião, realmente interessado na aprovação da mudança, mas em semear a desconfiança sobre o processo eleitoral.

Estratégia que vem surtindo efeito, de acordo com as pesquisas que apontam que os receios em relação à urna eletrônica crescem nos eleitores conforme o presidente trata disso em público.

"Perdendo ou ganhando nessa votação, o jogo dele não vai mudar. Ele vai continuar a mobilizar uma parcela da população para gerar um caos suficiente e, para isso, ele não precisa ter o apoio de muita gente, como mostrou a invasão do Capitólio nos Estados Unidos."

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