O Congresso adiou a votação de um projeto para manter o orçamento secreto e tentar reverter o julgamento do mecanismo no Supremo Tribunal Federal (STF). A proposta estava em pauta no plenário do Congresso nesta quinta-feira, 15, e foi transferida para a próxima terça, 20.
A cúpula do Legislativo ainda não conseguiu apoio suficiente para aprovar a medida e avaliou que uma votação nominal poderia expor os deputados e senadores favoráveis às emendas secretas. Além disso, a proposta não convenceu a presidente do STF, Rosa Weber, que votou para declarar o orçamento secreto inconstitucional e para devolver os recursos ao controle do Executivo, o que tornaria o projeto sem efeito.
O julgamento do STF levou o Congresso a ameaçar uma retaliação ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Líderes do Centrão querem deixar a votação de duas propostas de interesse direto do novo governo para a semana que vem, a última antes do recesso legislativo, à espera do julgamento do Supremo. Estão sob risco a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que tramita na Câmara, e o Orçamento de 2023. O adiamento aumenta as chances de Lula tomar posse em janeiro sem a aprovação das propostas.
A PEC, no entanto, também é de interesse do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e por isso o movimento é visto como delicado. O Centrão, grupo liderado por Lira, quer usar a PEC para salvar o orçamento secreto deste ano, destravando R$ 7,8 bilhões que estão bloqueados, e garantir a fatia de R$ 19,4 bilhões reservados para 2023, além de barganhar cargos e ministérios com Lula.
Projeto
O projeto adiado estabelece novas regras para as indicações que servem como base do orçamento secreto, mantendo as indicações sob controle dos presidentes da Câmara e do Senado. A tentativa de líderes do Centrão é convencer os ministros do Supremo a aceitar a manutenção do pagamento, sob o argumento de que, a partir de agora, será tudo transparente e equilibrado.
O projeto estabelece um critério de distribuição das verbas conforme o tamanho das bancadas na Câmara e no Senado, além de carimbar metade dos recursos para saúde, educação e assistência social e obrigar a identificação de todos os parlamentares que enviarem recursos públicos para seus redutos eleitorais.
A medida, no entanto, mantém a base do orçamento secreto, ou seja, a autorização para o relator-geral do Orçamento indicar emendas para ações e projetos que aumentam despesas, conforme pedido de parlamentares. A liberação é negociada em troca de apoio político ao Palácio do Planalto e a fatura, paga pelo governo federal. A proposta prevê critérios que, na prática, já são estabelecidos. Além disso, mantém o poder nas mãos dos presidentes da Câmara e do Senado.
A resolução não é suficiente para solucionar todos os pontos classificados como inconstitucionais pela presidente do Supremo, como a falta de planejamento, vinculação com investimentos nacionais e estruturantes e a desigualdade regional na liberação das verbas do orçamento secreto. Nos bastidores, o voto de Rosa Weber foi classificado como "péssimo" e "uma "afronta" por boa parte dos parlamentares.
Valores
Para 2023, estão previstos R$ 19,4 bilhões de orçamento secreto. Pelo cálculo de distribuição, R$ 11 bilhões ficarão nas mãos de deputados por meio dos líderes dos partidos. Os senadores, também por meio dos líderes, receberão R$ 4,5 bilhões. Com o controle dos presidentes das Casas sobre as lideranças, a proposta mantém a atual estrutura do orçamento secreto. Além disso, uma parcela de R$ 3 bilhões ficará reservada para indicações diretas e exclusivas dos presidentes da Câmara e do Senado. O restante será entregue ao presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO) e ao próprio relator-geral.
A equipe de Lula aposta na derrubada do orçamento secreto pelo Supremo, mas sabe que será necessário negociar uma saída política com o Congresso. Lira, por outro lado, assumiu pessoalmente a articulação para salvar a prática. Líderes do Centrão querem usar a PEC da Transição para fixar esse tipo de emenda na Constituição e neutralizar a decisão do Supremo.
A estratégia de Lira, no entanto, enfrenta dificuldades no Senado. Para uma medida ser aprovada na PEC são necessários votos favoráveis de 308 deputados e 49 senadores. A avaliação de líderes políticos é a de que Lira garante a aprovação na Câmara, mas dificilmente o Senado trabalharia pelo dispositivo com o mesmo empenho. O voto de Rosa Weber foi recebido como duro e enfático e pressionou parlamentares.
Se o Supremo derrubar o orçamento secreto e o Centrão não conseguir aprovar o mecanismo na PEC, líderes do Congresso preparam a transferência dos recursos para as emendas de comissão. Elas são aprovadas por cada comissão da Câmara e do Senado para áreas específicas, como Saúde, Educação e Infraestrutura.
Com as emendas de comissão, os recursos teriam de ser aprovados sob regras mais rígidas, mas ainda permaneceriam submetidos às indicações dos deputados e senadores. A alternativa é defendida pelo relator-geral do Orçamento, Marcelo Castro (MDB-PI), aliado de Lula. "Não estou criticando o Supremo, mas, do ponto de vista da aprovação das matérias que estamos discutindo, o julgamento é mais um complicador. É inoportuno", disse Castro.
Sem a PEC, Lula pode ficar sem recursos para negociar a entrega de cargos e verbas ao Centrão. Diante do impasse, aliados do presidente eleito passaram a falar em abrir mão da proposta e aumentar o programa Bolsa Família por meio de uma Medida Provisória, em janeiro de 2023. A ideia é defendida pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) e pode até mesmo tirar o apoio do PT à reeleição de Lira.