A presidente Dilma Rousseff começará este governo mais leve. Para estar mais esbelta na cerimônia de posse do seu segundo mandato, na tarde desta quinta-feira, ela encarou nos últimos dias uma dieta radical com objetivo de perder 13 quilos.
Os desafios que terá à frente em 2015, porém, serão bem pesados. Três questões prometem dar especial trabalho à presidente ─ a relação com o Congresso Nacional, a recuperação da economia e o desenrolar da crise da Petrobras.
Após uma vitória muito apertada nas eleições, o governo tem pela frente uma oposição mais combativa e estridente. O principal desafio político, porém, deve ser a relação dentro da própria aliança governista, acredita o cientista político Fernando Abrucio, professor e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Ele nota que a oposição está com seu discurso enfraquecido, já que a presidente sinalizou que fará o ajuste econômico defendido pela campanha do candidato derrotado Aécio Neves (PSDB).
"Mais do que uma oposição mais forte, o desafio de Dilma é lidar com um governismo mais fraco", afirma.
Segundo ele, há três razões para esse enfraquecimento: o desempenho fraco da economia, o escândalo da Petrobras e a falta de um projeto claro para o governo.
"A própria aliança governista não tem clareza de por que está junto. Os partidos não têm perspectiva de ir para oposição mas não sabem o que fazem na base do governo", observou.
Após enfrentar momentos de tensão no Congresso Nacional em seu primeiro mandato, como na votação do Código Florestal e da mudança da legislação dos portos, Dilma usou a nomeação dos novos ministros como forma de tentar costurar maior lealdade no Legislativo.
A estratégia de distribuir cargos em troca de apoio no Congresso não é nova. Dessa vez, porém, nota-se um perfil político mais forte entre os novos ministros.
Apesar de alguns nomes terem causado grande polêmica, como a escolha da senadora Kátia Abreu para a pasta da Agricultura e do ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab para o Ministério das Cidades, a nomeação de políticos de tradição, incluindo três ex-governadores, pode aumentar a base de sustentação do governo no Congresso, que será mais fragmentado e conservador com a posse dos novos parlamentares eleitos em outubro.
Além disso, Dilma abriu mais espaço para novos partidos, como Pros (Cid Gomes como ministro da Educação) e PSD (Kassab para Cidades), para tentar reduzir a dependência do PMDB.
"A presidenta montou um ministério que reúne as melhores condições para a repactuação política da governabilidade. É um ministério que tem um viés político grande, que representa uma grande correlação de forças e capacidade de articulação", disse à BBC Brasil o deputado federal José Guimarães (PT-CE).
Para Abrucio, Dilma montou um "ministério defensivo".
"É uma forma de se proteger no Congresso num ano em que há muitas incertezas. Será necessário aprovar medidas econômicas não muito populares e também haverá a crise da Petrobras, com consequências também para o Congresso", acrescentou.
PT insatisfeito
Embora a nomeação do novos ministros tenha rendido elogios públicos, nos bastidores há insatisfação até mesmo dentro do PT ─ o que pode indicar uma relação mais difícil entre Dilma e o partido.
A presidente optou por nomear para os cargos mais próximos da Presidência, lotados dentro do Palácio do Planalto, petistas mais distante do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: Miguel Rosetto ocupará a Secretaria-Geral e Pepe Vargas será o ministro das Relações Institucionais, com a função de fazer o meio de campo entre o Planalto e o Congresso.
Além disso, Aloizio Mercadante, hoje muito mais próximo de Dilma que de Lula, foi mantido à frente da Casa Civil.
As escolhas desagradaram a tendência majoritária do partido, CNB (Construindo um Novo Brasil), da qual Lula faz parte. Apesar de oficialmente o grupo negar, um parlamentar petista confirmou o desconforto à BBC Brasil.
A principal discordância é quanto ao nome de Pepe Vargas. Político gaúcho, deputado federal com poucos anos de Congresso, ele é visto como alguém sem o trânsito necessário entre deputados e senadores para comandar as negociações no Legislativo.
"É uma escolha equivocada. Demonstra que nesse aspecto ─ relação com o Congresso, com os líderes, com os parlamentares ─ a presidente não teria feito de fato uma mudança", afirma o petista.
"Como o PT é o partido da presidenta, já é considerado um apoio automático, sem questionamento, mas de fato está havendo uma insatisfação", acrescentou.
Congresso
O primeiro desafio de Vargas será coordenar as negociações em torno da eleição para a presidência da Câmara dos Deputados em fevereiro. Para o Senado, há consenso entre PT e PMDB quanto à continuidade de Renan Calheiros na presidência. No caso da Câmara, porém, os dois maiores partidos da base aliada estão em lados opostos.
Favorito na disputa, o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) tem muitas vezes contrariado os interesses do Planalto. O PT tenta articular a candidatura de Arlindo Chinaglia (PT-SP), mas a disputa pode acabar gerando mais rusgas na relação entre os dois partidos.
"Nós esperamos que o Palácio do Planalto, embora a gente saiba que jamais deixaria de torcer por uma candidatura do PT, fique relativamente neutro ou que não faça uma pressão tão escancarada (contra a candidatura do PMDB) que possa trazer depois um ressentimento", afirma o deputado Marcelo Castro (PMDB-PI).
"A gente percebe que há um sentimento difuso na Câmara, que permeia quase todos os parlamentares, de que o Poder Legislativo precisa ser fortalecido. E o Eduardo é aquela pessoa que hoje encarna esse sentimento. Daí a força da sua candidatura", acrescenta.
Petrobras e PIB
Outro fator que pode trazer mais instabilidade política é o desenrolar do escândalo de corrupção na Petrobras. Estima-se que até 40 deputados (do total de 513) possam vir a ser cassados se comprovado seu envolvimento no esquema de desvio de verbas da estatal.
A presidente Dilma Rousseff resiste a demitir a presidente da estatal, Graça Foster, porque confia em seu trabalho e não há indícios de que ela tenha praticado corrupção. Sua manutenção, porém, "mantém a crise na sala de estar do governo", observa Abrucio.
"Essa indefinição sobre o 'Petrolão' atrapalha muito o governo, e não apenas no Congresso, atrapalha porque o governo não consegue nem aparecer em público. Então o governo está retraído, está claramente na defensiva", afirma.
Além disso, o novo governo terá ainda o complicado desafio de acelerar o crescimento econômico, ao mesmo tempo que reduz gastos (para equilibrar as contas públicas) e eleva juros (para reduzir a inflação).
O governo Dilma teve o mérito de manter o desemprego em níveis recordes de baixa. Mas, fora isso, nota-se uma piora dos indicadores econômicos. Além do crescimento baixo e da inflação continuamente acima do centro da meta de 4,5%, o resultado da balança comercial ficará negativo neste ano pela primeira vez desde 2000.
Posse
Diante de tantos desafios, o PT espera reunir 30 mil pessoas nesta tarde para passar uma mensagem de que a presidente conta com forte apoio popular. O partido não revelou quanto gastou para contratar centenas de ônibus que vão trazer milhares de militantes de todo o país. O PT está bancando também shows na Esplanada dos Ministérios. Entre as atrações estão Alcione e o rapper GOG.
São esperados também manifestantes contrários ao governo.
A cerimônia de posse começa às 14h45 com o desfile de Dilma sobre o Rolls-Royce presidencial da Catedral de Brasília até o Congresso Nacional, onde a presidente firma o compromisso de respeitar a Constituição Federal e discursa para os congressistas.
Depois disso, ela passa a tropa militar em revista e se dirige para o Palácio do Planalto, onde discursa do parlatório às 16h30 para a população brasileira. Em seguida, entra no palácio para cumprimentar autoridades estrangeiras e dar posse aos 39 ministros.
Às 18h30, há um recepção aos convidados no Itamaraty. Quatorze chefes de Estado ou de governo e 16 vices-chefes confirmaram presença na cerimônia, como o atual chefe de Estado e o presidente eleito do Uruguai, José Mujica e Tabaré Vásquez, a presidenta do Chile, Michelle Bachelet, e o vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.